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quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Um poema impertinente



Eram precisamente seis horas e trinta e tantos diminutos

minutos

quando este poema nasceu

 

Eu dormia profundamente por mor do Outono

que agora está a começar

e traz com ele o abaixamento da temperatura

e a diminuição da luminosidade matinal

quando senti que uma cria de poesia

me puxava a roupa do espírito

repetidamente

mesmo depois que me acordou

 

Não tive outro remédio senão levantar-me

e servir-lhe o pequeno-almoço

para alimentar o animal

muito embora ainda fosse de madrugada

 

Mas de que trata este poema, afinal?

 

Sei lá!

Um poema tem que tratar de alguma coisa?

Não poderá ser só poema, sem nada mais?

 

Ademais poderá ser fruto de uma insónia

de um mal dormir…

 

Eu dormia profundamente

ferrado no sono

sem sonho subjacente

quando fui acordado

 

Diria que este poema impertinente que hoje me acordou

é fruta da época

filho do Outono

fruto da árvore da poesia

que viceja no jardim da fantasia

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 30 de Setembro de 2010

Henrique António Pedro

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Servem-se mitos ao pequeno-almoço, ao almoço e ao jantar

 


É de gritos e de apitos

o sinistro regime político vigente

que usa e abusa da comunicação social

e governa Portugal

como se o povo fosse demente

 

Serve mitos ao pequeno-almoço

ao almoço e ao jantar

mentiras fresquinhas

acabadinhas de cozinhar

 

Requentadas

bem passadas

mal ou bem acompanhadas

embaladas em papel de jornal

cozinhadas de mil formas

em panelas doiradas

iluminadas em redomas de cristal

e nas mais belas telenovelas

 

Estrelas do desporto e do cinema

da arte e da finança

da cagança

da política

ciência sinistra

e da televisão

outro mundo cão

que só causam sensação

pela explícita obscenidade

 

Alguns mitos até se engolem com facilidade

porque de tão tolos nos divertem

mas a maior parte dos pirolitos da política

e do “jet set”

não se conseguem tragar

vão direitinhos para a retrete

 

Com mitos se alimenta a desumanidade

 

Só com amor e verdade

se ergue uma nova portugalidade

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 21 de Outubro de 2008

Henrique António Pedro

 

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

A poesia é o que é e os poetas são o que são



É a mais elástica
plástica
moldável
amorosa
amorável

álacre  arte que se conhece

a poesia


Forma-se e deforma-se em mil formas de amor

de dor e de alegria

em apostemas de todo o saber e sabor

Dá para tudo!

Para todos os santos  e diabos
almas simples
espíritos iluminados
para o bem e para o mal
a todos serve  por igual

Com rima ou sem rima
tem gente que a adora
e a estima
e gente que a odeia
a abomina

Gente que a toma a sério
e gente que dela se ri

Gente crente
e descrente
agnósticos
ateus
gregos e arameus

Presta-se a cantar
declamar
ler
sofrer
amar
odiar
insultar
enaltecer
glorificar

irritar

serenar
ou tudo deitar a perder

Existe em tudo
e por todo o lado
em todo o tempo
faça chuva, neve, sol
ou vento

seja duro

ou seja mole

Na virtude
no vício
na vida
na morte
no deserto quente
no gelado

no desterro

encoraja e causa medo

No céu
na terra
no mar e no ar

Na pena do erudito
no linguarejar do analfabeto
no espaço fechado
no campo aberto
no homem livre e no proscrito

na estética e na moral
nos dias de hoje
e de ontem
na data pretérita

no presente

do indicativo
e no futuro condicional

A poesia está por toda a parte
é omnipresente
por isso também se diz
que os poetas são anjos
e a poesia é divina

Nada disso

A maior parte são sim
grandes marmanjos
e a poesia que escrevem

desatina

Mas eu diria

que a poesia
não é nada disso
e os poetas não são ninguém
mesmo se nada devem


Diria que a poesia é fantasia
e os poetas são a poesia que fazem

e desfazem
em seu viver

de amar e sofrer
mesmo se a não escrevem


Eu diria que a poesia
não é nada disso

e é muito mais

E que os poetas não são nada

nem ninguém

Diria que a poesia
é o que é
e os poetas
são o que são


Vale de Salgueiro, quarta-feira, 27 de Outubro de 2010

Henrique António Pedro


 

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Bati à porta do esquecimento


 

Bati à porta do esquecimento

Ninguém me respondeu de dentro

 

Nem o menor sentimento de saudade

O mais inócuo desejo de vingança sequer

O mais ténue lamento

Alguma ideia de pertença

A simples exigência de verdade

Um sopro de vento de indiferença

Que fosse

 

Sim

Esqueci

 

Já ali não mora a lembrança

Não me anima mais a esperança

 

Já me não atrai o efémero

A fama

A glória

Os prazeres da cama

A vertigem da História

 

Embora me não lembre de ter perdido a memória

 

Perdi Ciência

Ganhei Consciência

  

Vale de Salgueiro, 6 de Abril de 2008

Henrique António Pedro

 

in Angústia, Razão e Nada (Editora Temas Originais- Setembro 2009)

 

imagem: Google imagens

 

 

domingo, 31 de dezembro de 2023

Eu não espero nada nem de ninguém



Eu não espero nada nem de ninguém

 

Não estou à espera de nada

nem de ninguém

nem de mal nem de bem

nem de mau nem de bom

de boa ou de má sorte

do engano de um novo ano

muito menos da morte

 

E porque havemos nós de estar à espera

que algo

de bem ou de mal

de mau ou de bom

nos aconteça?!

 

Ou de alguém que nos valha

ou simplesmente nos faça bem

e nos mereça?!

 

Quem espera desespera

 

Eu não estou à espera de nada

nem de ninguém

de pé ou sentado

a dormir ou acordado

a sonhar

angustiado

embora não perca a fé

 

Muito embora de mim

tudo eu espere

ainda assim

como de toda gente

e nada me seja indiferente

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 5 de Julho de 2012

Henrique António Pedro

 

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Alto e pare o baile!


Soam as badaladas derradeiras

rasgam-se as folhas restantes do calendário

cumpre-se o fugaz fadário

nada muda na verdade

tão pouco as brincadeiras

 

Quando mais animado o baile vai

estouram garrafas de champanhe

esparrame da insanidade

das gentes alheadas da realidade

que em fantasias se esvai

 

Nas ruas estalam foguetes

e estouram balões

há gritos, apitos, ruídos dementes

joguetes de multidões

 

Nos meus ouvidos há outros ruídos

porém

tristes acordes tangem meu coração

que calar não consigo

sequer afastar da minha mente

também!

 

São gritos lancinantes de esfacelados de guerra

de mulheres maltratadas

é o ranger de dentes dos oprimidos

a dor dos explorados e perseguidos

o sofrer de mendigos e sem abrigo

dos que vegetam nos esgotos torpes

das metrópoles ditas civilizadas

 

Não me contenho e grito:

-Alto e pare o baile!

O salão de festas emudece

A minha dor recrudesce

 

Retiro-me silencioso

pesaroso

circunscrito

levando pela mão a mulher amada

como eu igualmente consternada

 

Saímos porta fora

nada mais nos resta

para nós a festa está terminada

 

Embora no meu coração more a esperança fagueira

de que meus versos hora a hora

explodirão sem temor

como bombas de amor por sobre a Terra

e pousarão qual pombas de paz

aonde lavra a guerra

e a humanidade jaz

sepultada

prisioneira

-Alto e pare o baile!

 

Vale de Salgueiro, 31 de Dezembro de 2007

Henrique António Pedro