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segunda-feira, 15 de julho de 2024

Hoje, vou andar por aí, a sonhar


Vou andar por aí

caminhar pelos campos

longe do asfalto das estradas

 

Tropeçar nas pedras dos caminhos à procura de poemas

e de searas ondulantes ao vento

que me tragam esperanças

de que não irá faltar o pão nas mesas

nem sorrisos nas bocas das crianças

 

Vou ouvir o chilreio das aves nas devesas

seguir com o olhar o seu voo no céu

rezar para que não sejam sugadas pelas turbinas dos aviões

nem que sobre a Terra caiam mais maldições

antes a cubra um véu

de verdade

 

Vou implorar a Deus que não haja mais almas presas

nas cadeias do esquecimento

e do abandono

e que antes possam usufruir a velhice

com alegria

poesia

e a meiguice

do sonho

da saudade

 

Hoje

vou andar por aí

caminhar pelos campos

longe do asfalto das estradas

para ter a certeza de que ainda é possível sonhar


Vale de Salgueiro, quarta-feira, 11 de Abril de 2012

Henrique António Pedro

 

segunda-feira, 8 de julho de 2024

A rosa e o rouxinol


Astuciosa é a rosa

que se oferece perfumada

a gritar aos sete ventos

estar ali para ser amada

 

Quando não pica

matreira

insinuante

langorosa

 

Sagaz é o rouxinol

que faz o ninho na roseira

sem, contudo, se picar

e assim poder ter

espinhos para o defender

e rosas para namorar

 

E pobre é o rouxinol

que pelo arrebol

segura uma rosa no bico

 

Tem no coração um pico

que o não deixa cantar

 

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 30 de Junho de 2009

Henrique António Pedro

 

domingo, 30 de junho de 2024

Adeus, adeus, adeus


Penoso era, para mim, seguir viajem

Para a outra margem

Do meu amado rio Rabaçal

Mal chegavam ao fim

As férias de Carnaval

 

Deixava por isso a folia

Com cara de quem partia

Triste, desencantado

Tendo pela frente o além

 

Era assim que me despedia

Quando a montada já seguia

Em passo estugado

 

Aperta, aperta!

O tempo escasseia

Fique para trás a aldeia

Adeus, adeus, adeus minha mãe

 

Até breve oliveiras cinzentas

Tristes, meigas e serenas

Minhas partidas são lentas

Pois me custa partir

Vendo as sombras das penas

A toldarem o porvir

 

Aperta, aperta!

O tempo escasseia

Fique para trás a aldeia

Adeus, adeus, adeus minha mãe

 

Vale de Salgueiro, Carnaval de 1959

Henrique António Pedro

 

sexta-feira, 28 de junho de 2024

O Universo é a minha prisão


Preso em prisão de paredes de pedra, de água e de ar

opacas, translúcidas, vaporosas

escuras, luminosas, ofuscantes

frias

escaldantes

crepitosas

 

Sem poder fugir para outro lugar

que não seja para dentro de mim

mergulho em mar de angústia

num oceano de dúvida

na dúbia sensação

deste angustiado aperto de coração

 

Enredado nas teias de Absoluto

tecidas do Infinito irresoluto

procuro entender a Verdade

e alcançar a Felicidade

na fé fugaz da Eternidade

 

O Universo é a minha prisão

cujas grades de dor e ilusão

tento em vão

forçar

com amor

e arte

 

Condenado à morte

forço a sorte

faço a minha parte

abro janelas de esperança

na minha mente de criança

 

Apenas sei

que só por Cristo Ressuscitado

poderei ser resgatado


Vale de Salgueiro, domingo, 12 de Dezembro de 2010

Henrique António Pedro

 

 

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Dentro de mim não há céus nem infernos


Dentro de mim não há céus

nem estrelas

nem galáxias

nem infernos

 

Dentro de mim

sob a minha pele

há apenas ossos

músculos

vísceras

veias

nervos

e nada mais que releve

 

No meu coração flui apenas sangue

e não ódio

ou paixão

 

No meu cérebro nem uma agulha se intromete

tão pouco o vazio

o nada

de que nada sei

 

Mas dentro de mim abre-se uma janela larga para Deus

por onde o espírito

entra

e sai do meu eu

mesmo de olhos fechados

de ouvidos tapados

e de tacto entrapado

 

Deus mora dentro de mim

e não no Céu

 

Vale de Salgueiro, segunda-feira, 6 de Dezembro de 2010

Henrique António Pedro 

in Introdução à Eternidade (1.ª Edição, Outubro de 2013)

 

 

domingo, 23 de junho de 2024

Ela pareceu-me um belo mote de poema


O olhar

o porte

o decote

as narinas ferinas

a formosura

a postura

ecoaram no meu espírito em  rimas ricas

deixando imaginar um belo mote de poema

talvez um perfeito soneto de amor

 

Até o “olá” com que se insinuou

me soou a verso de encantar

 

Seria ela a borrar a pintura

porém

 

Só os dois sabemos porquê

 

Que seja ela a contá-lo a toda a gente

mas só depois de ter lido este poema

 

É pena

 

Ela nada tinha de poesia

era tão somente fantasia

 

Qualquer poeta sabe que muitas vezes

é pior a emenda que o soneto!

 

Vale de Salgueiro, sábado, 3 de Setembro de 2011

Henrique António Pedro