Sentei-me de costas para o
Sol
sob o caramanchão de
buganvílias perfumadas
com ideias estudadas
projectando em Eunice
que me olhava de frente
a sombra da minha paixão
Assim seus lábios carmim
melhor se abriam para mim
acesos em desejos de beijos
embora o seu olhar de deusa
a sua voz maviosa
o seu rosto cor-de-rosa
irradiassem apenas pureza
Líamos o Livro VII da
República
retendo-nos no Mito da
Caverna
em procura de uma
interpretação moderna
original e amorosa
Foi assim que encontrei uma
leitura diferente
vendo Eunice reclinada
bela
sentada à minha frente
Inspirado pela luz da sua
formosura
certamente
que nenhum prisma passional
refractava
e que me iluminava
com ternura
enquanto que a sombra
que eu sobre ela projectava
não vinha directa do Sol
tinha origem em mim
Era o reflexo da minha
paixão
o revérbero do meu
amor-próprio
refractado em todas as cores
do espectro do egoísmo
e que se irisava de desejo
ciúme
vaidade
posse e domínio
Mas de Eunice eu recebia
a luz pura do Amor
e da Verdade
que trespassava a limpidez do
seu coração
por isso Eunice
não entendia bem
Platão
Não lhe revelei os meus
pensamentos
na altura
para não ter de a fazer
corar
e para eu não me envergonhar
de tão ousada inventiva
Por isso só agora
que já me não liga a Eunice
o desejo
que só raramente a vejo
e já não projecto nela a minha sombra lasciva
mas a amo de verdade
lhe remeto esta poesia
Certo de que a receberá
ainda a tempo
de ensinar aos seus alunos
de filosofia
que a luz de que Platão
falava
na sua genial alegoria
era a luz do Amor
Enquanto que a paixão
é a sombra do amor-próprio
a ilusão
irisada
refractada
nos prismas do coração
in
Mulheres de Amor Inventadas (1.ª edição Nov2013)