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sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Voluptuosa Idade


Voluptuosa Idade


Agora que passei dos setenta

que o cabelo rareia e as rugas da face concorrem com as do ventre

já sinto necessidade de usar chapéu para me proteger do calor de Verão

que mordisca a pele desguarnecida pela força dos anos
e do frio de Inverno que me arrepia com o mesmo arrepio

que me causou a água fria da pia baptismal
no meu crânio escalvado de recém-nascido

Agora que já me apetece dormitar à beira da lareira
com o mesmo enlevo com que em menino
adormecia em sonhos no escano fronteiro
bafejado pelas labaredas crepitantes da raiz de oliveira
e pelo vapor do caldo verde que fervia na panela cantante
em intróito ritmado de sagrada ceia
protegido pela proximidade atenta de minha mãe
e mais além por uma estrela distante
que luzia

noite e dia

Agora quando a púbis da mulher sensual e jovem
já não me provoca voluptuosidade, heroísmo ou vaidade
perco-me em truísmos de ternura, estética e saudade
e já não penso as mesmas ideias de domínio e conquista da Terra inteira


Agora que passei das setenta

outras volúpias de prazer me envolvem, me animam e me fazem viver

sonhar mais alto ainda porque fui feliz na infância
fui rei
fui príncipe
fui criança
e acabo de renunciar às glórias do mundo
e partir à reconquista do Universo pelo amor e pela palavra

de um mero verso


Agora e aqui
ensaio amar-me a mim mesmo com verdade
e a amar os outros
o próximo e o distante
como diz Jesus
na liturgia da palavra de Cristo

e na prática de Francisco de Assis

Respeito a diferença, a humildade da erva rasteira
a simplicidade do cronómetro do caracol
que contemporiza os ponteiros do relógio com os desígnios do sol

Agora e aqui vivo o dia-a-dia com o labor da formiga
na plenitude e autenticidade da paz e liberdade das nuvens e das aves
deixo que a alma amadureça de verdade como a cereja
por força do húmus e dos raios cósmicos
trazidos pelo sol
pelo luar
pela dor

e pelo amor

Esta a minha heresia maior

a minha igreja:

não conseguir viver
ver e sentir
agir e amar
sem uma absoluta referência divina, terna, eterna, terrena

Agora sim
sinto sede de viver sem que tenha medo de morrer


Não anseio passar à posteridade
procuro apenas a imortalidade

 

Henrique António Pedro

Vale de Salgueiro, 10 de Setembro de 2007

domingo, 17 de setembro de 2023

Vem, amor, vem!

 

 


Vem, amor, vem!

 

Vem, amor, vem!

senta-te aqui a meu lado

e esquece

por agora

essa dança de sedução

 

Reclina a cabeça no meu peito

a jeito de deusa

e deixa que a brisa

roçague os teus cabelos de mansinho

por sobre o meu rosto

como fios de seda em desalinho

 

Mas fiquemos calados

deixando que os nossos corpos

se comprometam

em surdina

mesmo contra nossa vontade

 

Deixando que a libido

e demais humores

fervam em banho-maria

e nós em silenciosa alegria

com a ideia de que temos o imenso oceano por cama

não apenas uma toalha estendida na areia da praia

ou os lençóis de cambraia do leito conjugal

porque o tálamo nupcial das almas é o Cosmos

tecido de amor e espiritualidade

 

Vem, amor, vem!

deixa que a minha mão escorregue

delicada

por entre o botão desapertado da tua blusa

não para acariciar o teu seio

mas para sentir o palpitar do teu coração

 

E coloca também tu

a tua mão

no meu peito

para escutar a mesma doce arritmia

e afinar essa mística melodia

pelo mesmo diapasão

 

Vem, amor, vem!

E vê por ti mesma

que não és apenas mais uma mulher

uma fêmea qualquer que deseja e apetece

antes uma alma livre que no amor

se recria e engrandece

 

Mas não me olhes apenas como mero macho

que te deseja e te quer ter

fica também a saber

que há uma infinidade de outras volúpias para comungar

 

Vem, amor, vem!

Mas não queiras ser amante por agora

a correr

sê apenas musa

parceira desta doce aventura

companheira de viajem desta romântica longa-metragem

 

Vem, amor, vem!

Vem partilhar comigo a vertigem de amar

verificar a força sublime do Amor

descobrir coma a magia do luar

de uma serena noite de Verão

poderá transformar uma terna carícia

um beijo verdadeiro

um apaixonado congresso

no ingresso da Redenção

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 3 de Setembro de 2010

Henrique António Pedro

 

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

A Balança da Verdade

 


A Balança da Verdade

 

Tomo por balança a Verdade

Tendo por fiel o Coração

Livre da mais cega Ambição

De toda a tola Vaidade

 

Ciente de que a Humildade

Sem o peso de alguma Paixão

Mais força e luz dá à Razão

Mais fortalece a Dignidade

 

Viver a vida com Heroísmo

Requer aceitar toda a Dor

Fonte do mais puro Humanismo

 

Assim a vida tem mais Valor

Porque anula o Egoísmo

O peso divino do Amor

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 21 de Outubro de 2010

Henrique António Pedro

 


terça-feira, 12 de setembro de 2023

A Flor do Amor

 


A Flor do Amor

 

A enganosa flor do amor-paixão

Como qualquer outra vistosa flor

Desabrocha sem qualquer condição

Quando, onde e de que forma for

 

Às suas pétalas as leva o vento

Ao mais leve sopro de sofrimento

Efémero é seu odor, sua cor

Rubro escopro de tristeza e dor

 

É amor que acaba por nos perder

E sem querer de tal o porquê saber

Sempre, sempre, voltamos a nos prender

 

Flor do amor que murcha sem avisar

Ou sem outra mais clara razão de ser

Que aprendermos a mais e mais amar

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 5 de Setembro de 2012

Henrique António Pedro

 

 

 

sábado, 9 de setembro de 2023

Um Homem pregado numa Cruz

 


Um Homem pregado numa Cruz

 

Bati a todas as portas do Universo

Todos os sábios da Terra questionei

Com os males do mundo me emocionei

Em toda a parte meu labor foi adverso

 

Li mil livros de amor em prosa e verso

Todas as bibliotecas frequentei

Nos melhores laboratórios pesquisei

Procurando um consolo incontroverso

 

Em todas as igrejas procurei a Luz

Força para sofrer e me manter de pé

Uma só ciência hoje me seduz:

 

A do Homem Deus que diz, pregado na Cruz:

- Amai o vosso próximo e tende Fé.

Por vós sofri, com Amor. Sou Cristo Jesus!

 

Vale de Salgueiro, 27 de Abril de 2008

Henrique António Pedro

 

terça-feira, 5 de setembro de 2023

Douro e de Xisto




Douro e de Xisto

 

Humilde poeta sempre assisto

A este concerto maravilhado

De pedras em socalcos concertado

Onde Deus o não havia previsto

 

É suor e sangue de muito cristo

Em terras do Douro crucificado

São ecos de amor com dor rimado

Em versos de muros de tosco xisto

 

São poemas de mil vinhas em rimas

Quais rosários abençoados

Desfiados com fé pelas colinas

 

São cânticos da safra das vindimas

Pela voz dos obreiros declamados

Ao som de pandeiros e concertinas

 

Vale de Salgueiro, 7 de Abril de 2008

Henrique António Pedro