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domingo, 25 de junho de 2023

Porque nos aprisionou na Terra, o Criador?

 


Porque nos aprisionou na Terra

o Criador

nesta gaiola azulada

dependurada no Sol

e que balança ao sabor dos ventos cósmicos?

 

E porque nos alimenta Ele

com amor, dor, angústia e sonho

envoltos pela diáfana redoma atmosférica

que apenas os raios de luz

e a imaginação

transpõem

 

E porque nos projectamos nós

no Espaço incomensurável

rasgamos a Razão

e soltamos aflitos gritos de espírito

por não O podermos ver?

 

Talvez nos queira Ele ouvir cantar

e louvar

só pode ser

 

E que sejamos nós a nos libertar

e a aprender

a voar

até Ele!


Vale de Salgueiro, Quinta-feira, 12 de Junho de 2008

Henrique António Pedro



quarta-feira, 21 de junho de 2023

A SEREIA DO AÇUDE DE MIRADEZES


 

A SEREIA DO AÇUDE DE MIRADEZES

(Sereia de água doce) 


Sento-me

Numa pedra

No idílico açude de Miradezes

Onde por vezes

Me refresco e reflicto

 

Eis que num gesto inusitado

Se vem sentar a meu lado

Uma jovem sereia

Despida

De biquíni amarelo ajustado

Ao corpo mais belo

Que alguma vez já vi

 

E me sorri

Sedutora

Escultural

Monumental tentação

Enquanto com o dedo polegar do pé

Acaricia as águas mansas

Do meu rio Rabaçal

Que corre manso

No pino do Verão

 

À falta de melhor ideia

Falo-lhe de poesia

Com alegria

 

Qual não é o meu espanto

Porém

E sem que lhe haja dado motivo para tanto

Começa a brincar comigo

Amorosa

E maliciosa

Também

 

Provoca-me

Com desenvoltura

Agrarra-me na mão

Sinto-me perdido

De desejo

Seguro a dela

Num ápice dá-me um beijo

Na face

E zás…

Lança-se à água decidida

Arrastando-me com ela

Para uma líquida aventura

 

Mergulho de cabeça

Surpreendido

Perco-a

Recupero o sentido

Abraço-a

Escapa-se

Volto a segurá-la

Já não me escapa

Tento beijá-la

Aconteça o que aconteça

Diz-me que não

E rende-se

Para vencida

Me pedir perdão

 

Deu apenas para ficar a saber

Sem fantasia

Que o corpo das sereias de água doce é escorregadio

Causa arrepio

E que a poesia

Por vezes

É afrodisíaca

 

Numa praia fluvial paradisíaca

Como a do açude de Miradezes

in Mulheres de Amor Inventadas (1.ª Edição, Outubro de 2013)

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 11 de Julho de 2008

Henrique António Pedro


segunda-feira, 19 de junho de 2023

O TEU SILÊNCIO, SAUDADE

 


O TEU SILÊNCIO, SAUDADE 

in Mulheres de Amor Inventadas (1.ª Edição, Outubro de 2013)


O teu silêncio, Saudade

distende a distância

faz da pequenez da nossa cidade

um mundo de afastamento

tão grande é o sofrimento

de ti nada saber

 

O teu silêncio, Saudade

dilata o tempo

transforma os dias em eternidade

 

Que importa saber-te próxima

aqui mesmo ao lado

se te sinto distante

e me angustia

não te poder ver

doravante

 

Estou desolado!

 

O teu silêncio, Saudade

é um ruído importuno

feito de angústia

e de infortúnio

que não me deixa dormir

e me põe desassossegado

quando estou acordado

 

Diz-me algo, Saudade!

Um gesto que seja

que eu veja

ou consiga ouvir

 

Não tens que me gritar

acenar

olhar

ou sorrir

sequer

 

Poderás mesmo nem me falar

nada me dizer

mas passa por mim

deixa-te ver

ainda que assim

mais me faças sofrer

 

Vale de Salgueiro, sábado, 14 de Junho de 2008

Henrique António Pedro


sábado, 17 de junho de 2023

BENILDE

 


BENILDE

in Mulheres de Amor Inventadas (1.ª Edição, Outubro de 2013)

 

Benilde jaz agora

pálida, silenciosa e fria

num cemitério vivo

mundo de mármore e granito

onde mal se ouve um grito

o jardim das paixões desfalecidas

 

Para onde se remetem

os amores que arrefecem

ou são esquecidos

mas não morrem por completo

 

Não passa agora de uma estátua vazia

nua e fria

uma lembrança esculpida

petrificada

sem calor, cor ou sentimento

sem um único lamento

nem mais nada

 

Não obstante continuar viva

e a cruzar-se comigo no dia-a-dia

distante

e arredia

nem ela respira

nem eu transpiro

 

Mas não lhe quero mal

nem me inspira dó

nem raiva

tristeza ou alegria

 

Apenas e só

esta banal

poesia

 

Henrique António Pedro



quinta-feira, 15 de junho de 2023

MARIA PAPOILA

 


MARIA PAPOILA

in Mulheres de Amor Inventadas (1.ª Edição, Outubro de 2013)

 

Não!

 

Não és tu que voltas

nem é a ti que reencontro

 

É a minha memória

que ainda te não deitou porta fora

que ainda te não pôs na rua

 

A ti nunca te conheci

assim

como

hoje

és

 

Nem eu sou o que fui

outrora

 

Hoje sou outro

sou diferente

 

Tu és o passado

eu sou o presente

 

Nós nunca nos conhecemos

e dificilmente nos voltaremos a conhecer

 

Nem vamos reiniciar

nada de novo

não importa chorar

 

Agora

és só actriz secundária de um filme mudo

de reposição

em que o matraquear da máquina

manual

é o bater surdo

do teu coração

 

Um filme que revejo

na pequena sala de cinema

da minha lembrança

mergulhada na obscuridade

e na solidão

 

Pediste-me a verdade

sem fantasia

 

Dou-te a versão

nua e crua

da poesia

 

Henrique António Pedro

Vale de Salgueiro, 8 de Dezembro de 2013



segunda-feira, 12 de junho de 2023

CHARLOTTE (Os sofrimentos do jovem Werther)

 


CHARLOTTE

(Os sofrimentos do jovem Werther)

 

Na fase mais romântica da minha vida

Em plena alvorada da minha afirmação social

No amor como em tudo

No bem e no mal

Todas as minhas opções de futuro

Devidas e indevidas

Eram romanescas e puras

 

Aquele amor era mútuo

Tão profundo e desmedido

Quanto louco e imprevisível

Mas… oh mor crueldade!

Dolorosamente impossível!

 

Eu descobria o Wherther de Goethe em mim

Ela a Charlotte nela percebia

Eu sofria e ela também sofria

Porque esta minha Charlotte

Com idêntico amor me correspondia

 

Forçados pelas circunstâncias

Acordamos que cada um nós

Calaria aquele amor dentro si

Deixando que o fogo da paixão

Ardesse lentamente no segredo do coração

A coberto de toda a gente

Sem outro confidente

Nem o mais leve grito de razão

 

Assim nos vingaríamos do destino

Das mentalidades sem tino

E da cruel sociedade a quem repugna a verdade

 

Parti sem lhe dizer adeus

Para fugir à dor da despedida

Por não suportar a saudade

De a saber e sentir ao pé de mim

De a amar sem o poder

Nem tão pouco a poder ver

Entristecida

 

Afastado de Charlotte desde então

Vá eu para onde for agora

Lá está ela

Sempre

A arder na minha lembrança

E como eu a sofrer calada

Resignada

Um amor que a ambos consome

Cada vez mais ardente e silente

Mas que ninguém mais pressente

 

Sofro os mesmos sofrimentos do jovem Wherther de Goethe

Mas não cometerei suicídio

 

Embora maior martírio do que assim morrer

É sentir Charlotte a sofrer

Do mesmo amor

A viver uma vida de dor

 

Aborrida

 

Henrique António Pedro

Vale de Salgueiro, 4 de Março de 2008