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segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

GIOCONDA

 


GIOCONDA

 

A sua boca cala-se
e se fala
é para nada me dizer

Pudesse eu adivinhar o que os seus olhos dizem 

Pudesse eu ter a certeza de bem interpretar o seu olhar

Pudesse eu ouvir nos seus olhos

o seu coração a bater por mim

já que abraçá-la não posso

 

Se me aproximo

afasta-se

mas continua a olhar-me

de longe

distante

e eu continuo sem nada entender

 

Sinto no seu olhar

que o seu coração bate por mim

só para me perder

 

Que os seus olhos mal me dizem

o que me quer dizer

porque tem medo de se prender

 

Eu fico desolado

a moer

e a remoer

o significado

desse seu olhar enfeitiçado


Porque a sua razão decide não dizer

o que o seu coração lhe diz

e que os seus olhos mal me dizem

 

Vale de Salgueiro, domingo, 25 de Abril de 2010

Henrique António Pedro

in Mulheres de amor inventadas (1.ª Edição, Outubro de 2013)


segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Quando, por encanto, me dei conta…

 


Quando, por encanto, me dei conta…

 

Quando

por encanto

me dei conta

de que também ela de mim gostava

já há muito tempo ela suspirava

à espera de que eu lhe declarasse

o meu amor

 

Porém

quer eu

quer ela

sentíamos que assim sofrer

era a mais bela forma de prazer

 

Uma dor gostosa

uma amorosa imanência de que ela padecia

com paciência

e de impaciência me fazia

a mim

padecer

 

Porque o gozo maior daquela insana dor

não era sequer um dilema

tão pouco um dissabor

 

Era sim

tão só

puro amor

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 27 de Março de 2012

Henrique António Pedro


terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Se eu fosse árvore, amor.




Se eu fosse árvore, amor

 

Se eu fosse árvore, amor

e tu me abraçasses com fervor

os meus poemas seriam flores

as folhas louvores

e os frutos

filhos

 

Floriria na Primavera e daria guarida a todas as aves que tu mimasses

e nos meus ramos quisessem nidificar

 

Deixaria que a aragem agitasse a folhagem

e convidaria os passantes de terras distantes

perdidos na paisagem inclemente

a que sob mim se abrigassem do calor do Sol ardente

e testemunhassem o nosso amor

 

Ah! Mas se eu fosse árvore, amor, e não merecesse o teu cuidado

murcharia, por certo, desolado

pelo Inverno

 

Deixaria que o machado do lenhador

despedaçasse o meu tronco terno

e apartasse os ramos em molhos

para alimentar outros fogos de paixão

que não este que tu ateias em meu coração

com o carvão aceso dos teus olhos

 

Se eu fosse árvore, amor

tu serias a Primavera

  

Vale de Salgueiro, sábado, 17 de Outubro de 2009

Henrique António Pedro


domingo, 4 de dezembro de 2022

Esta minha vida não é só minha

 


Esta minha vida não é só minha

 

Esta minha vida

não é só minha

 

É minha e é dos outros

e é de mais

de muitos mais

 

Dos que me são íntimos

e dos que me são estranhos

 

É de quem me faz amar

e de quem me faz sofrer

 

De quem mora a meu lado

ou de mim vive distante

próximo ou afastado

 

E quantas vezes os mais chegados

não são os mais apartados?

 

E quantas vezes por quem está longe

poderemos até andar

enamorados?

 

Esta minha vida

é a vida de todos que comigo partilham o viver

do por do sol ao nascer

o mistério da noite

e a luz do dia

 

E o fazem com poesia

 

Vale de Salgueiro, 11 de Fevereiro de 2009

Henrique António Pedro

 

terça-feira, 29 de novembro de 2022

No jardim das paixões desfalecidas

 


No jardim das paixões desfalecidas

 

Flor de Acácia jaz agora

Pálida, silenciosa e fria

Num cemitério vivo

Mundo de mármore e granito

Onde não se ouve um grito

O jardim das paixões desfalecidas

 

Para onde remeto as paixões que arrefecem

Ou são esquecidas

Mas não morrem por completo

 

Flor de Acácia é mais uma estátua vazia

Nua e fria

Uma lembrança esculpida

Petrificada

Sem calor, cor ou sentimento

Sem um único lamento

Sem mais nada

 

Não obstante continuar viva

E a cruzar-se comigo no dia-a-dia

Distante

E arredia

Nem ela respira

Nem eu transpiro

 

Não lhe quero mal

Nem me inspira dó

Nem raiva

Tristeza ou alegria

Apenas e tão só

Esta banal poesia

 

Vale de Salgueiro, 11 de Maio de 2008

Henrique António Pedro


sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Quando a hora da minha morte chegar

 


Quando a hora da minha morte chegar

Quando a hora da minha morte chegar

se é que algum dia vou morrer

 

Quando o sangue se me esfriar nas veias

mais vivas e ardentes se revelarão as minhas  ideias

 

Entregarei o corpo com o coração na mão

à Mãe-Natureza para reciclar

que dele melhor fará

o que bem lhe apetecer

 

Serei húmus, seiva, sangue

vinho

aroma de pinho

erva aromática

papel de gramática

grão de jade

 

Ou tão só

 

 Quem sabe?!

 

Por mim

ainda assim

gostaria de me transformar num pinheiro viçoso

frondoso

altaneiro

num novo ser no seio do novo pinhal

que plantei com as minhas próprias mãos

ao sol do sonho

sem sombra de mal

 

As minhas mãos e os meus braços se converterão em ramos

e os pés em raízes

arreigadas bem fundo nas entranhas da terra

já preparada

à minha espera

saradas todas as cicatrizes

 

E o suor que transpirei agarrado à enxada

será a resina perfumada

que purificará o ar

e dará nova cor e vigor a novos pulmões

e a outros corações

que pulsarão do mesmo Amor

 

Mais vivas e ardentes se revelarão

então

as ideias

 

Elas serão o germe de novos sonhos

as sementes de novas poesias

de mais lúcidos dias

de mais clara Verdade

as palavras-chave da eterna Eternidade

 

Quando a hora da minha morte chegar

se é que algum dia vou morrer…

 

Quem sabe?!

 

Melhor será esperar para ver

 

Vale de Salgueiro, 21 de Fevereiro de 2008

Henrique António Pedro 

in Introdução à Eternidade (1.ª Edição, Outubro de 2013)