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sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Fado da morena


Não tenham pena

da morena

que não saber ler

que a morena

sabe escrever

falar e dizer

com seu olhar

melhor

que ninguém

 

Escreve poesia

como nunca li

nem ouvi

delicia

deleita

sabe bem

 

De noite

ou dia

quando anda

quando fala

quando dança

quando canta

se deita no leito

no perfume que exala

ou simplesmente sorri

 

Cada trejeito

seu

é um verso

um universo

de bem escrever

que faz o jeito

meu

 

E seu corpo é um poema

de poesia de encantar

que só mesmo a morena

sabe declamar

 

Vale de Salgueiro, domingo, 29 de Maio de 2011

Henrique António Pedro

 

 

 

terça-feira, 27 de agosto de 2024

Poeta cósmico cavaleiro andante


Já longa vai a vigília na pétrea catedral

em que aguardo ser armado cavaleiro

cósmico menestrel

guardião do templo sideral

 

O elmo

a pena

a espada

o tinteiro

o hábito de burel

repousam a meu lado

 

Iluminado pela luz da poesia

preparo-me para investir

mal veja luzir

a luz do dia

 

Será que por alguém sou amado?!

É a minha dúvida crucial

 

Em que deserto

em que oásis

em que chama

em que cama se aquece

e adormece

a minha dama

que a não vejo sorrir?

 

Já a saudade me desfalece

e na dúvida me balouço

 

Será que ela existe

que tem rosto de mulher

de menina

de espectro do além?

 

Alma tem

e de rainha

que interage com a minha

 

Já braços não que não me abraçam!

Nem voz que a não ouço!

 

Quando a vigília terminar

e o sol se abrir

se irá ela revelar

e a mim me redimir

 

Vale de Salgueiro, segunda-feira, 12 de Outubro de 2009

Henrique António Pedro

 

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Para mais amar reclamo a Eternidade




(in Introdução à Eternidade (1.ª Edição, Outubro de 2013))

 

Para melhor viver

contente

radiante

com verdade e poesia

espalhando felicidade por toda a gente

requeiro prazer

e alegria

 

Já para sofrer

e morrer

basta-me um só instante

 

Mas para mais e melhor amar

e a felicidade alcançar

reclamo a Eternidade

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 9 de Dezembro de 2009

Henrique António Pedro

 


quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Sento-me de novo na mesma pedra de sempre


Dei volta à vida

mundo fora

 

Rodou o tempo

outro é o vento

mas nada

ou quase nada

mudou

 

Volto agora a sentar-me na mesma pedra

emoldurada de hedra

postada no recinto da mítica ermida

voltada para Poente

erguida numa colina sagrada

da minha amada

Terra Quente

 

Que bem que aqui me sinto!

 

O mesmo Firmamento

as mesmas luarentas noites de Verão

que me marcaram a mente

e iluminaram o coração

 

As mesmas estrelas

as mesmas constelações

os movimentos de sempre

 

As mesmas emoções

a mesma silenciosa solidão

os mesmos sonhos

a mesma Fé

a mesma oração

a mesma ânsia de verdade

 

De diferente

apenas e só…

mais

e ainda mais

da mesma…

Saudade

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 14 de Abril de 2009

Henrique António Pedro

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Porque se não liberta já de mim a minha alma?


Fixo o olhar
em nenhum lugar

e sem nada ver


Deixo o tempo correr

em silêncio


Ouço o relógio do Cosmos
a tiquetaquear
o cronómetro da vida
a gemer

 
A pedra em que reclino a cabeça
trilha-me a pele do crânio
o coração
espontâneo
entra a palpitar


Porque se não liberta já de mim a minha alma?
Porque não saio eu de mim?
Será que alma não tenho?

Porque continuo assim
prisioneiro de ossos e músculos
glândulas e vísceras
de ideias abstrusas

e sem nexo?

Porque me amarro ao espaço
e ao tempo
se o espaço se limita no infinito
e o tempo se esgota na eternidade?

Se alma eu não tivesse
o meu corpo dono não teria
e ficaria ao abandono


Ao deus-dará

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 21 de Junho de 2012

Henrique António Pedro

 

 

 

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Assim me vejo, nu, ao espelho


Inadvertidamente

Dei comigo a olhar-me nu

Ao espelho

De corpo inteiro

Limpo

Depois do banho

 

Não foi um reflexo narcisista

Antes uma reflexão demente

Do espírito que tento ver reflectido

Nalguma superfície espelhada

Que a reflita

 

O corpo ali estava

Visto por fora

Da perspectiva em que se mostra

 

Espelhado no sistema espaço-tempo

Na óptica do dia-a-dia

Traduzido em anos e volumetria

 

No ventre ligeiramente obeso

Nas rugas pronunciadas

Na calvície acentuada

Nos testículos agora mais túrgidos e descaídos

No pénis mais nédio e flácido

Evidentes sinais de que a virilidade

Também se vai adoçando

 

As vitórias e as derrotas

As angústias e s paixões

As certezas e as desilusões

Essas ali estavam

Espelhadas na memória

Que se vai esmorecendo

Á medida que deixa de doer

Ou de entusiasmar

Para se converter numa mera lembrança

Até se apagar

 

Vejo-me olhos nos olhos

E é aí que me fascino

Por aí entro na mente

Que me leva à alma

 

Porque melhor me fixo em mim

 

Mas à alma só a alma vê

Tem reflexos no corpo e na vida

No Amor traduzido em gestos

Mas apenas ela se vê a si mesma

 

Para isso a alma existe

Coexiste

Resiste

E persiste

Quando o corpo desiste

E a mente se esvai

 

Por isso a alma só não existiria

Nem teria qualquer sentido

Se a pudéssemos ver reflectida no espelho

Como a qualquer outro órgão

 

É assim que a mim assim me vejo

Nu

Ao espelho

 

E que importância teria o Cosmos

Sem mim?

 

 

Vale de Salgueiro, 31 de Julho de 2008

Henrique António Pedro

(in Angústia, Razão e Nada (Editora Temas Originais-2009))