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sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Palavras tresmalhadas pelo vento





Regurgito golfadas de poemas
desejosos do supremo sacrifício da poesia
apunhalado que foi o meu coração

Tomo um punhado e atiro-os ao ar
deixando que seja o vento
a tresmalhá-los em palavras

Raras
sobem como estrelas
no céu
cintilando
noite adentro

Poucas
são levadas pelos aves
delicadamente nos bicos
para construir os ninhos
e alimentar as crias

Outras
são arrastadas pelos rios
para o mar
terminam nas redes dos pescadores
ou diluídas no seio da tempestade

A maior parte
porém
são estraçalhadas
pelas mandíbulas ferozes dos políticos

Até que nas minhas mãos vazias
apenas resta aflição




terça-feira, 31 de outubro de 2017

Quando a alma nos cai aos pés





Alguém como eu condenado às galés
e que seguia à minha frente
por um caminho empedrado
inadvertidamente
deixou cair a alma
aos pés

Tilintou
saltitou
e acabou por se ocultar
sem se partir
como se fora um berlinde de cristal
incandescente

Em redor não se via vivalma
e não adveio daí
outro mal
ao mundo

Alguém que seguia a meu lado
por um caminho relvado
deliberadamente
deixou cair o coração
soltando-o da mão

Ouviu-se um baque surdo
e ali ficou plasmado
como se fora um pastel ensanguentado
vivo
a latejar

Alguém que vinha atrás de mim
por um caminho enlameado
irreflectidamente deixou cair o cérebro
no chão
por erro de lógica
sem razão

Fez plof!
Ainda esbracejou
como se ensaiasse nadar
mas acabou por se afundar
e ali ficar atolado
com a consciência à tona
por algum tempo
como se fosse uma azeitona
enquanto a memória
diluída no vento
apodrecia na História

O primeiro Alguém iluminou-se
sem combustão

O segundo apaixonou-se
ardeu
sem compaixão

O terceiro enlouqueceu
ninguém lhe valeu
restaram os ossos

Eu segui em frente
por entre, cacos e destroços
à procura do meu berlinde irisado
que andará por aí
perdido em qualquer lado
a cair sem se partir

Quando a alma nos cai aos pés
partimo-nos todos
espalhamo-nos
cada bocado para seu lado

Só nos levantamos por inteiro
se recuperamos a alma
primeiro
mesmo se perdemos a razão
e o coração



sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Lenda de Santa Comba e São Leonardo


Neste mesmo local em que ora me assento
donde diviso todo o vale
perpassado pelo vento da recordação

Vivo com emoção o trágico momento
tempo da História já fora da memória
com o coração a bater
a querer saltar do peito
sem jeito de se conter

Sinto a terra a arfar
a pulsar com a dor do pastor Leonardo
morto ainda criança
trespassado pela lança do mouro javardo
que acaba de o esventrar

E ouço os soluços de sua irmã Comba
de bruços a chorar
naquela funesta manhã

O cavalo alfaraz a relinchar
com os cascos a bater
qual tenaz
na fraga que se abriu
para esconder a Comba cristã

Fraga que ainda guarda
a ferradura gravada
a quente
jura muito crente que bem viu

Imagino agora eu a casta adolescente
a voar
Comba feita pomba
a subir ao Céu

Para virar santa
venerada
moira encantada
que encanta o povo que a canta
por toda a Terra Quente

Henrique António Pedro

in Anamnesis (Janeiro de 2016)



quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Estarei no messenger, mais logo, para lhe falar



Aqui
O vento que se levantou ao fim do dia
Já veio tarde
Mas deu para limpar o céu
Das negras nuvens do fumo dos incêndios florestais

Ademais
O Firmamento está agora límpido
Cerúleo
Cristalino

Dá para ver na perfeição a Via Láctea
Que se distende na direcção Norte-Sul
E se me enrodilha na Razão
Salpicada de estrelas bruxuleantes
Rangendo de silêncio

Imagino que aí
Do lugar em que te encontras
Duma janela de um vigésimo terceiro andar
Dá para veres
Por certo e na perfeição
O arco da Baía de Guanabara
Em todo o seu esplendor
De som e néon

E ouvir
O bater do seu coração

Fantástica é a poesia
Que nos dá olhos para ver
E ouvir
Com amor e alegria
Coisas tão distintas
E ainda mais
O indistinto que certas coisas têm

E que diferença faz a pesada espiritualidade
Da minha vista
Da suave sensualidade
Do seu olhar?

Nenhuma

Na minha
Uma mulher nua
Láctea
Toca violino
Ao luar

Na sua
Um homem se despe
Doirado
No mar

Estarei no messenger
Mais logo
Para lhe falar


terça-feira, 10 de outubro de 2017

Eyjafjallajokull



Lá na distante e fria Islândia
uma mulher frívola e fulva
linda como a Lua
cavalgava nua
montada no cavalo de desejo
à procura de alguém
que lhe desse um beijo

E tão forte era o seu desejo e o seu trotear
que o vulcão Eyjafjallajokull acordou
e de imediato se pôs a ejacular
lava e cinza vulcânica
que obscureceu os céus da Europa oceânica
com véus de ansiedade

Foi quanto bastou
para que os europeus não pudessem respirar
e os aviões deixassem de poder voar
até que vulcão Eyjafjallajokull amainou

A Mãe Natureza manda na Terra de verdade
pare o homem de a provocar


sexta-feira, 29 de setembro de 2017

No auge do Verão







Inesperadamente
Milhares de borboletas brancas
Predominantemente
Também raiadas
Coloridas
Delicadas
Saídas de todos cantos
Dos nadas
Tomaram conta do jardim

Saciadas da sede de amor
E de água
Apenas lhes apetece voar
E são tantas
A esvoaçar à minha roda
Que já nem há mais espaço para onde ir
E eu não tenho outro remédio
Tão despudorado é o assédio
Senão deixar os meus poemas
Voar com elas
Saltitando por entre as rosas
E o jasmim


É tempo de festejar o auge do Verão
Antes que o vento frio de Outono
As faça cair de novo no sono
Hibernal
Regressando aos cantos dos nadas
De onde vieram
Para por lá ficarem pasmadas
Larvares
Monstruosas

Os meus poemas permanecerão acordados
Durante todo o ano
Engravidados de poesia
Sempre a adejar
Em torno de mim

Já sinto a nostalgia