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quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Sento-me de novo na mesma pedra de sempre


Dei volta à vida

mundo fora

 

Rodou o tempo

outro é o vento

mas nada

ou quase nada

mudou

 

Volto agora a sentar-me na mesma pedra

emoldurada de hedra

postada no recinto da mítica ermida

voltada para Poente

erguida numa colina sagrada

da minha amada

Terra Quente

 

Que bem que aqui me sinto!

 

O mesmo Firmamento

as mesmas luarentas noites de Verão

que me marcaram a mente

e iluminaram o coração

 

As mesmas estrelas

as mesmas constelações

os movimentos de sempre

 

As mesmas emoções

a mesma silenciosa solidão

os mesmos sonhos

a mesma Fé

a mesma oração

a mesma ânsia de verdade

 

De diferente

apenas e só…

mais

e ainda mais

da mesma…

Saudade

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 14 de Abril de 2009

Henrique António Pedro

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Porque se não liberta já de mim a minha alma?


Fixo o olhar
em nenhum lugar

e sem nada ver


Deixo o tempo correr

em silêncio


Ouço o relógio do Cosmos
a tiquetaquear
o cronómetro da vida
a gemer

 
A pedra em que reclino a cabeça
trilha-me a pele do crânio
o coração
espontâneo
entra a palpitar


Porque se não liberta já de mim a minha alma?
Porque não saio eu de mim?
Será que alma não tenho?

Porque continuo assim
prisioneiro de ossos e músculos
glândulas e vísceras
de ideias abstrusas

e sem nexo?

Porque me amarro ao espaço
e ao tempo
se o espaço se limita no infinito
e o tempo se esgota na eternidade?

Se alma eu não tivesse
o meu corpo dono não teria
e ficaria ao abandono


Ao deus-dará

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 21 de Junho de 2012

Henrique António Pedro

 

 

 

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Assim me vejo, nu, ao espelho


Inadvertidamente

Dei comigo a olhar-me nu

Ao espelho

De corpo inteiro

Limpo

Depois do banho

 

Não foi um reflexo narcisista

Antes uma reflexão demente

Do espírito que tento ver reflectido

Nalguma superfície espelhada

Que a reflita

 

O corpo ali estava

Visto por fora

Da perspectiva em que se mostra

 

Espelhado no sistema espaço-tempo

Na óptica do dia-a-dia

Traduzido em anos e volumetria

 

No ventre ligeiramente obeso

Nas rugas pronunciadas

Na calvície acentuada

Nos testículos agora mais túrgidos e descaídos

No pénis mais nédio e flácido

Evidentes sinais de que a virilidade

Também se vai adoçando

 

As vitórias e as derrotas

As angústias e s paixões

As certezas e as desilusões

Essas ali estavam

Espelhadas na memória

Que se vai esmorecendo

Á medida que deixa de doer

Ou de entusiasmar

Para se converter numa mera lembrança

Até se apagar

 

Vejo-me olhos nos olhos

E é aí que me fascino

Por aí entro na mente

Que me leva à alma

 

Porque melhor me fixo em mim

 

Mas à alma só a alma vê

Tem reflexos no corpo e na vida

No Amor traduzido em gestos

Mas apenas ela se vê a si mesma

 

Para isso a alma existe

Coexiste

Resiste

E persiste

Quando o corpo desiste

E a mente se esvai

 

Por isso a alma só não existiria

Nem teria qualquer sentido

Se a pudéssemos ver reflectida no espelho

Como a qualquer outro órgão

 

É assim que a mim assim me vejo

Nu

Ao espelho

 

E que importância teria o Cosmos

Sem mim?

 

 

Vale de Salgueiro, 31 de Julho de 2008

Henrique António Pedro

(in Angústia, Razão e Nada (Editora Temas Originais-2009))

 

domingo, 11 de agosto de 2024

Eu!? Como vou!?


Eu!? Como vou!?

 

Vou andando

amando

poetando

por aí

 

A mando nem sei bem de quem

talvez de ninguém

nada por aí além

 

Vou andando

amando

poetando por aí

tanto se me dá

como se me dou

assim eu sou

desde que nasci

 

Quem amo em mim manda

vou andando

amando

poetando

por aí

 

Eu não mando em quem amo

se é que mando

em alguém

nem mesmo em mim

eu mando

 

Quero sim é assim amar

a valer

o amor nada me tira

o amor tudo me dá

 

Enquanto assim for viver

andando

amando

poetando

por amor

por aí

a mim me amando

e a mais alguém

não vou morrer para ninguém

 

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 10 de Dezembro de 2010

Henrique António Pedro

 

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Quem sou eu, afinal?


Sou mais que palavra

feita prosa ou poesia

grito ou fantasia

 

Sou rosto e sou espelho

objecto e imagem

fastio e desejo

realidade e miragem

por isso me não vejo

 

Espelho que a si se reflecte

calor que a si se aquece

vida que a si se dá

pão que a si se alimenta

fé que a si se sustenta

luz que a si se alumia

de noite ou de dia

 

Sou verdade e sou mentira

sou mal e sou bem

sou aqui e sou além

sou a minha consciência

e a consciência de mim

não sei quem sou

ainda assim

 

Sou o coração com que amo

e o amor que me tenho

a mim e aos meus

 

Sou angústia e esperança

dúvida e crença

um ser em revelação

à semelhança de Deus

embora sem parecença


Vale de Salgueiro, quinta-feira, 1 de Abril de 2010

Henrique António Pedro

 

sexta-feira, 26 de julho de 2024

Voam cegonhas no céu de Mirandela


Manhã de já plena Primavera
com o casario debruçado no rio
reflectido nas águas imaculadas
um bando de cegonhas amorosas
baila bailados alados

de acasalamento

ao sabor do vento

no céu turquesa de Mirandela


Graciosas

também bailam no meu pensamento

que as observo

atento

postado à janela

preso por tão bela surpresa


Quando já a Lua translúcida
liberta de dilemas

também refulge de amor e poesia

a hora tão matutina do dia

E dou comigo a recordar

que também alguém já um dia

andou a bailar para acasalar

com uma musa nua e crua

que por tão alto que voava
a todos encantava com o seu voar

Restou o poema

o lamento

o tormento

para contar

 

Às mágoas as águas do Tua
com brandura 

a seu tempo

as levaram para o mar

do esquecimento

Mirandela, terça-feira, 6 de Abril de 2010

Henrique António Pedro