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segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Eu não sou nada nem sou ninguém

 


Eu não sou nada nem sou ninguém

Eu

Não sou nada

Nem sou ninguém

 

Não ser nada

Nem ser ninguém

Não quer dizer que nada seja

Que seja nada

Porém

 

Eu

Não sou nada

Nem sou ninguém

Ando no mundo por ver

 Os outros andar

 

Se os outros deixarem de me ver

Não quer dizer

Que eu deixe

De andar

 

Eu não sou nada

Nem sou ninguém

Ando no mundo por sentir

 Que os outros me sentem

 

Se os outros não me sentirem

Eu não deixo de os notar

 

Eu não sou nada

Nem sou ninguém

Ando no mundo porque penso

Nos outros a pensar

 

Se os outros não pensarem

Eu não deixo de pensar

 

Eu

Não sou nada

Nem sou ninguém

Não sou outro

Sou eu

 

Sou

Simplesmente

Alguém

 

Vale de Salgueiro, 5 de Setembro de 2022

Henrique António Pedro

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Alzheimer

 




Alzheimer

Amanhã…

vou fazer tudo ao contrário

andar de trás para a frente

virar os retratos de pernas para o ar

 

Vou tocar os sinos no campanário

pôr a boca no trombone

desligar o telefone

 

Vou sorrir a quem nunca me sorriu

deitar a língua de fora ao Papa

mostrar o rabo à Rainha

chamar demente ao Presidente

alegrar os funerais com bandas marciais

e mandar a crise para a puta que a pariu

 

Vou chamar os poetas de patetas

deixar de escrever poesia

por de lado a gramática

e viciar os cálculos de matemática

 

Amanhã…

vou voltar à infância

comportar-me como criança

correr

saltar

viver a vida com alegria

usar peruca

deixar crescer barba e bigode

 

Amanhã…

vou fazer tudo ao contrário

 

Dizem que é a melhor forma de me precaver

pelo menos até morrer

… do Alzheimer

 

Vale de Salgueiro, sábado, 15 de Maio de 2010

Henrique António Pedro


 

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

A Expulsão do Paraíso

 


A Expulsão do Paraíso

 

Contesto o Teu critério, ó Criador

De expulsar Adão e Eva do Paraíso!

Se foi Eva a causadora do prejuízo

Porque não expulsá-la só a ela, Senhor?!

 

Continuaria, assim, o homem, sem dor

A viver no Éden, em seu perfeito juízo

E a mulher na Terra, se eu bem ajuízo,

Mais feliz do que é, sem o homem por tutor.

 

Ou será que Adão quis Eva acompanhar

Tão ardente era a loucura da paixão

Que nem Vós, Senhor, os conseguiste separar?!

 

Se assim foi, então, tendes toda a razão!

Só àqueles que aprenderem a bem amar

Vós abençoais e concedeis a Salvação.

 

Vale de Salgueiro, 17 de Maio de 2008

Henrique António Pedro


quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Eu?! Sou um proto deus, um Prometeu

 


Eu?! Sou um proto deus, um Prometeu


Sei aquilo que sinto

Sinto aquilo que sou

 

Sou aquilo que sinto

Sou aquilo sou

 

Sou um proto deus cartesiano

Um Prometeu agrilhoado

Se minto

A mim mesmo me minto

A mim mesmo me engano

Deslumbrado

 

Acredito em Deus

Porque tenho consciência de mim

E em mim acredito

 

Sinto e penso com o coração, com as veias e as artérias, as células, o cérebro e razão, os instintos e os afectos.

 

Sinto dor em cada poro e sofro com cada pêlo que me cai.

 

 Sou algo que se abre como uma flor no meio de uma floresta de dor, de angústia, suposta felicidade e amor.

 

 Uma larva que se metamorfoseia em alegria e sofrimento, vida e fantasia.

 

Olho o Sol a contra luz

Do lado de cá da vidraça do Firmamento

Mas cego

Sem ver a Deus

 

Apenas vislumbro a sombra de mim

A sombra do meu espírito

Batido pela luz de Deus

O amor de Jesus Cristo

 

Por isso me ensimesmo

Me sinto um proto deus

Em sofrimento

 

Um Prometeu contristo

Agrilhoado à minha angústia

Devoro-me a mim mesmo

 

Vale de Salgueiro, 21 de Maio de 2008

Henrique António Pedro


sábado, 30 de julho de 2022

Obrigado, amor

 


Obrigado

Amor

Por viveres

A meu lado

 

Por existires no meu espaço

Te deixares ver

E sentir

E permitir

Que me recline no teu regaço

 

Por não te importares que o vento

Espalhe o teu perfume

Em campo aberto

Para tudo perfumar

 

Ainda que dentro de mim

Ateie o lume

Da saudade e do sofrimento

Só de pensar

Que um dia

Te poderei não ter

Assim tão perto

 

Mirandela, 22 de Dezembro de 2004

Henrique António Pedro

In Mulheres de amor inventadas (1.ª Edição, Outubro de 2013)


segunda-feira, 4 de julho de 2022

Irena Sendler

 


(Varsóvia, 15 de fevereiro de 1910 - Varsóvia, 12 de maio de 2008),

 

Chorei!

Lágrimas líquidas verdadeiras

Rolaram-me pela face, silenciosas

Sinceras, sentidas, condoídas

Agora que sem a conhecer

A conheci

 

Em silêncio, mas chorei!

 

Lágrimas salgadas, reais

Envergonhado da minha pequenez

Da placidez do meu egoísmo

Ante o sereno heroísmo

De Irena Sendler que eu não conhecia

Tão grande ela é que se escondia

Tão cego é o mundo que ninguém a via

 

Chorei!

 

Lágrimas ácidas

Porque sofri no mais fundo de mim

Por todas as crianças vítimas do holocausto

Submetidas ao martírio nazi

Á má sorte

Ao mais atroz sofrimento

Á fome, ao frio, à doença

Á hedionda separação de suas mães

E que Irene heroicamente socorreu

E salvou da morte

 

Chorei!

 

Lágrimas de sangue de espaço a espaço

Por Irena torturada às mãos da Gestapo

 

Chorei

 

Lágrimas de luz

De suave alegria interior

Por ver que Deus nosso Senhor Jesus

Quando maior é a ignomínia dos homens

E mais malvado o seu desígnio

Sempre inspira algumas almas maiores

A minimizar a desgraça

E a mostrar-nos o caminho

 

 

Coloco este poema

Feito flor

Na montanha de flores

Que todos os dias

E nunca será tarde demais

Perfumam o quarto da anciã Irena

No asilo de Varsóvia aonde se esconde

Na sua inesgotável bondade

 

Obrigado Irena pelo seu heróico exemplo

Obrigado por si

Louvada seja por todo o tempo


Nota: Irena Sendler morreu dias depois d eu ter escrito este poema.

 

Vale de Salgueiro, 30 de Abril de 2008

Henrique António Pedro