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sábado, 7 de outubro de 2023

Nem sei se ainda por aqui ando ou se já me fui embora daqui

 


Nem sei se ainda por aqui ando ou se já me fui embora daqui

 

Esta melancolia que me assola

em dias de chuva aborridos

ou quando o sol poente

me deixa lânguido da saudade

de quem anda ausente

estando embora presente

é uma tristeza deliquescente

mais própria dos vencidos

 

Abandono-me à nostalgia emergente

e paro de me angustiar

viro as costas às perguntas do costume

que sei

de antemão

não terem respostas

 

É quando uma morrinha miudinha

me toma os sentidos

a ponto de não me sentir nada

nem ninguém

nem magma

nem matéria

em nada materializado

em nenhum estado de espírito realizado

ocaso ou aurora

 

Fico sem saber se ainda por aqui ando

ou se já me fui embora daqui

se a poesia é coisa séria

ou não passa de uma pilhéria

 

Até que o ensejo de um bocejo sorri

me faz despertar dessa sonolência demente

e retomar a vida corrente

 

Vale de Salgueiro, domingo, 24 de Maio de 2009

Henrique António Pedro


 

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Estado de alma estranho ao normal sentir

 


Estado de alma estranho ao normal sentir

 

Não é angústia nem ansiedade

dúvida ou falta de vontade

dor interior ou exterior

 

Não é aborrecimento nem saudade

contentamento ou felicidade

náusea ou fastio

alegria ou desilusão

medo da morte

vontade de morrer

delírio

alvedrio

vazio

frio

arrepio

premonição

 

É uma espécie de apatia activa

uma viva abolia

 

É um desejo de fugir

daqui

de mim

d`além

sem que saiba bem

para onde quero ir

 

É um estado de alma estranho ao normal sentir

que eu não sei definir

 

Talvez seja só contemplação

alegoria de iluminação

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 13 de Fevereiro de 2009

Henrique António Pedro

 

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Voluptuosa Idade


Voluptuosa Idade


Agora que passei dos setenta

que o cabelo rareia e as rugas da face concorrem com as do ventre

já sinto necessidade de usar chapéu para me proteger do calor de Verão

que mordisca a pele desguarnecida pela força dos anos
e do frio de Inverno que me arrepia com o mesmo arrepio

que me causou a água fria da pia baptismal
no meu crânio escalvado de recém-nascido

Agora que já me apetece dormitar à beira da lareira
com o mesmo enlevo com que em menino
adormecia em sonhos no escano fronteiro
bafejado pelas labaredas crepitantes da raiz de oliveira
e pelo vapor do caldo verde que fervia na panela cantante
em intróito ritmado de sagrada ceia
protegido pela proximidade atenta de minha mãe
e mais além por uma estrela distante
que luzia

noite e dia

Agora quando a púbis da mulher sensual e jovem
já não me provoca voluptuosidade, heroísmo ou vaidade
perco-me em truísmos de ternura, estética e saudade
e já não penso as mesmas ideias de domínio e conquista da Terra inteira


Agora que passei das setenta

outras volúpias de prazer me envolvem, me animam e me fazem viver

sonhar mais alto ainda porque fui feliz na infância
fui rei
fui príncipe
fui criança
e acabo de renunciar às glórias do mundo
e partir à reconquista do Universo pelo amor e pela palavra

de um mero verso


Agora e aqui
ensaio amar-me a mim mesmo com verdade
e a amar os outros
o próximo e o distante
como diz Jesus
na liturgia da palavra de Cristo

e na prática de Francisco de Assis

Respeito a diferença, a humildade da erva rasteira
a simplicidade do cronómetro do caracol
que contemporiza os ponteiros do relógio com os desígnios do sol

Agora e aqui vivo o dia-a-dia com o labor da formiga
na plenitude e autenticidade da paz e liberdade das nuvens e das aves
deixo que a alma amadureça de verdade como a cereja
por força do húmus e dos raios cósmicos
trazidos pelo sol
pelo luar
pela dor

e pelo amor

Esta a minha heresia maior

a minha igreja:

não conseguir viver
ver e sentir
agir e amar
sem uma absoluta referência divina, terna, eterna, terrena

Agora sim
sinto sede de viver sem que tenha medo de morrer


Não anseio passar à posteridade
procuro apenas a imortalidade

 

Henrique António Pedro

Vale de Salgueiro, 10 de Setembro de 2007

domingo, 17 de setembro de 2023

Vem, amor, vem!

 

 


Vem, amor, vem!

 

Vem, amor, vem!

senta-te aqui a meu lado

e esquece

por agora

essa dança de sedução

 

Reclina a cabeça no meu peito

a jeito de deusa

e deixa que a brisa

roçague os teus cabelos de mansinho

por sobre o meu rosto

como fios de seda em desalinho

 

Mas fiquemos calados

deixando que os nossos corpos

se comprometam

em surdina

mesmo contra nossa vontade

 

Deixando que a libido

e demais humores

fervam em banho-maria

e nós em silenciosa alegria

com a ideia de que temos o imenso oceano por cama

não apenas uma toalha estendida na areia da praia

ou os lençóis de cambraia do leito conjugal

porque o tálamo nupcial das almas é o Cosmos

tecido de amor e espiritualidade

 

Vem, amor, vem!

deixa que a minha mão escorregue

delicada

por entre o botão desapertado da tua blusa

não para acariciar o teu seio

mas para sentir o palpitar do teu coração

 

E coloca também tu

a tua mão

no meu peito

para escutar a mesma doce arritmia

e afinar essa mística melodia

pelo mesmo diapasão

 

Vem, amor, vem!

E vê por ti mesma

que não és apenas mais uma mulher

uma fêmea qualquer que deseja e apetece

antes uma alma livre que no amor

se recria e engrandece

 

Mas não me olhes apenas como mero macho

que te deseja e te quer ter

fica também a saber

que há uma infinidade de outras volúpias para comungar

 

Vem, amor, vem!

Mas não queiras ser amante por agora

a correr

sê apenas musa

parceira desta doce aventura

companheira de viajem desta romântica longa-metragem

 

Vem, amor, vem!

Vem partilhar comigo a vertigem de amar

verificar a força sublime do Amor

descobrir coma a magia do luar

de uma serena noite de Verão

poderá transformar uma terna carícia

um beijo verdadeiro

um apaixonado congresso

no ingresso da Redenção

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 3 de Setembro de 2010

Henrique António Pedro

 

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

A Balança da Verdade

 


A Balança da Verdade

 

Tomo por balança a Verdade

Tendo por fiel o Coração

Livre da mais cega Ambição

De toda a tola Vaidade

 

Ciente de que a Humildade

Sem o peso de alguma Paixão

Mais força e luz dá à Razão

Mais fortalece a Dignidade

 

Viver a vida com Heroísmo

Requer aceitar toda a Dor

Fonte do mais puro Humanismo

 

Assim a vida tem mais Valor

Porque anula o Egoísmo

O peso divino do Amor

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 21 de Outubro de 2010

Henrique António Pedro

 


terça-feira, 12 de setembro de 2023

A Flor do Amor

 


A Flor do Amor

 

A enganosa flor do amor-paixão

Como qualquer outra vistosa flor

Desabrocha sem qualquer condição

Quando, onde e de que forma for

 

Às suas pétalas as leva o vento

Ao mais leve sopro de sofrimento

Efémero é seu odor, sua cor

Rubro escopro de tristeza e dor

 

É amor que acaba por nos perder

E sem querer de tal o porquê saber

Sempre, sempre, voltamos a nos prender

 

Flor do amor que murcha sem avisar

Ou sem outra mais clara razão de ser

Que aprendermos a mais e mais amar

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 5 de Setembro de 2012

Henrique António Pedro