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sábado, 14 de outubro de 2023

Acendo a minha própria pira funerária

 


Ergo a minha própria pira funerária

numa planície erma e desolada

em dia de vento gélido, neve e geada

quando o Outono já é quase Inverno

fujo do inferno


Amontoo folhas secas perfumadas

esqueletos de roseiras decepadas

ramos de oliveiras bentas

farrapos de bandeiras

livros, sebentas e jornais inúteis

lembranças de amores vencidos

sucessos, insucessos e vãs glórias

histórias de encantar

confidencias de fazer corar

 

Coloco ideias loucas a servir de rastilho

ponho-me de pé no topo do monturo

em pose olímpica

qual estátua de Júlio César

de calvície coroada de folhas de louro

faço o meu próprio auto de fé


Risco um verso

 

De pronto fumega a minha épica loucura

em breve surgirão as primeiras chamas

 

Torturam-me imagens das viúvas indianas imoladas

dos relaxados nas fogueiras da Santa Inquisição

dos kamikazes dementes do Médio Oriente e do Japão

dos bombeiros imolados nas Torres Gémeas

das crianças degoladas na Palestina

e abandonadas à sua sorte maligna

 

Quando as labaredas me alcançam

e ameaçam queimar-me

expludo!

 

É o meu espírito que estoura como fogo de artifício

e se reintegra no seio de Deus

 

De mim poeta nada resta

porque a minha inutilidade é total

 

Apenas uns versos soltos

fumos sem fogo

com as quais o vento se diverte

insuflando-lhes vida aparente

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 2 de Dezembro de 2008

Henrique António Pedro


 

 

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

A vida é um rio e a morte é o mar

 


 

A vida é um rio

e a morte é o mar

vazio

 

Rio de fantasia

a correr sem parar

de montante para jusante

e por aí adiante

 

Rio de agonia

que corre

veloz

do nascimento até à foz

onde morre

 

E nós no meio das águas

a ver as margens passar

só mesmo com poesia

ousamos nele navegar

ao sabor da sorte

tentando não nos afogar

embora certa seja

a morte

 

Morte que é um mar

vazio

sem espaço nem tempo

nem outro lugar

 

A vida é um rio

e a morte é o mar

onde as almas almejam velejar

nas ondas do destino

rumo à Eternidade

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 6 de Outubro de 2010

Henrique António Pedro

 

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

A rosa de Saron


Naquele palácio agora vazio

de paredes indignadas de silêncio

e martírio

 

Pedras chagadas pelo tempo

e pelo vento

pela areia que medeia novo tormento

cobiça de fantasmas

que se alimentam de miasmas

a gemer

 

Havia tapeçarias

e archotes a arder

bailarinas

e cisternas de águas cristalinas

 

Ali

fui principe e fui rei

essénio e soldado

enamorado

 

Ali matei e morri

e amei, amei, amei

 

Ademais

renasci

 

Ali

a rosa de Saron

o lírio dos vales

bálsamo de todos os males

se enraizou no meu peito

e não mais parou de florir

 

E Massada não cairá nunca mais

 

Jamais!

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 29 de Setembro de 2010

Henrique António Pedro

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Fadas, Faunos e Fragas

 


Quem me dera poder viver no seio da Mãe Natureza

Tendo por morada o ninho duma águia

A cova dum lobo

A covil dum cão

A toca duma amorosa raposa

Ou a lura duma lebre alegre

Como tantas que se acoitam com destreza

Nos fojos profundos do quadraçal

Onde há milénios corre silencioso

Em seu leito de mistério e emoção

Povoado de fadas, faunos e fragas

O meu amoroso rio Rabaçal

 

Pernoitar entocado entre penedos

Não sentir frio, calor ou medos

Nem outro incómodo maior

Que a mística enxerga matriz da humanidade

Que acomodava Francisco de Assis

 

Alimentar-me de medronho e de amoras silvestres

Beber água pura da nascente

Namorar ao luar

Tendo as estrelas como luzeiros para me alumiar

E a sinfonia tangida pela brisa do cair da tarde

Nas copas dos pinheiros altaneiros

Para me tranquilizar

 

Apenas morrer quando me apetecer

Deixando meus poemas gravados nas pedras disformes

Informes do amor e da verdade que a todos redime

 

E continuar a evolar com alegria

Nesta fantasia sublime

Qual fauno converso neste universo

Que é templo de palavras lavradas em verso

 

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 12 de Fevereiro de 2010

Henrique António Pedro

 

 

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

No limiar da minha lembrança de criança

 


No tempo em que a minha lembrança

de criança

se inicia

 

E no meu entendimento

embora fosse Deus alguém que eu desconhecia

admitia

ainda assim

que fora Ele a criar meus avós

primeiro

e meus pais

depois

 

Embora fossem meus pais

que eu conhecia melhor

ainda assim

que moviam sós

todo o mundo só para mim

 

Eu nem sequer me conhecia a mim tão bem

como conhecia meu pai e minha mãe

 

Com eles partilhava um mundo que era só meu

que melhor eu bem compreendia

e sentia

porque ainda não sabia

que coisa era a dor

 

No limiar da minha lembrança de criança

não havia espaço sequer

para o sonho, o temor ou a esperança

ou para o que a Deus aprouver

 

Porque esse meu mundo era um mundo só meu

 e era só puro amor

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 3 de Agosto de 2010

Henrique António Pedro

sábado, 7 de outubro de 2023

Nem sei se ainda por aqui ando ou se já me fui embora daqui

 


Nem sei se ainda por aqui ando ou se já me fui embora daqui

 

Esta melancolia que me assola

em dias de chuva aborridos

ou quando o sol poente

me deixa lânguido da saudade

de quem anda ausente

estando embora presente

é uma tristeza deliquescente

mais própria dos vencidos

 

Abandono-me à nostalgia emergente

e paro de me angustiar

viro as costas às perguntas do costume

que sei

de antemão

não terem respostas

 

É quando uma morrinha miudinha

me toma os sentidos

a ponto de não me sentir nada

nem ninguém

nem magma

nem matéria

em nada materializado

em nenhum estado de espírito realizado

ocaso ou aurora

 

Fico sem saber se ainda por aqui ando

ou se já me fui embora daqui

se a poesia é coisa séria

ou não passa de uma pilhéria

 

Até que o ensejo de um bocejo sorri

me faz despertar dessa sonolência demente

e retomar a vida corrente

 

Vale de Salgueiro, domingo, 24 de Maio de 2009

Henrique António Pedro