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terça-feira, 29 de março de 2022

Melhor será deixar de escrever poesia


Já ninguém se faz ouvir

sem gritar

e quem olha

não vê

 

Quando escrevo já não digo nada

já ninguém me ouve

mesmo se acaso alguém me lê

 

Vou controlar a minha ânsia de escrever

limitar-me-ei a ler

 

Porque quando leio

ouço tudo

até demais

e escrevo ainda mais ainda assim

do que quando apenas escrevo

 

Mas serei eu capaz de me ouvir

a mim e aos outros

no seio da tempestade

no ruído do mundo

no burburinho da cidade

se me calar

se também eu não gritar?

 

Serei capaz de fazer saber ao Cosmos

que existo

e estou aqui

se não escrever?

 

Irá a morte ouvir-me se não lhe gritar

que não quero morrer?

 

Vale de Salgueiro, domingo, 25 de Julho de 2010

Henrique António Pedro


terça-feira, 22 de março de 2022

É de mim que eu menos sei


Julgo saber tudo de mim

mas não será tanto assim

 

Não tenho grandes dúvidas do meu passado

apesar das muitas coisas que já esqueci

 

Lembro-me bem do sítio onde nasci

do meu percurso

 

Corri mundo

viajei

vi

vivi

senti

amei

sofri

 

Estudei

aprendi conhecimentos sem fim

artes

ciências

técnicas

 

Conheci pessoas

lugares

mas é de mim que menos sei

 

Pouco ou nada sei de mim!

 

Que me importa saber que a Terra é redonda

que os astros se movem no Universo

e coisas assim

se pouco ou nada sei de mim?

 

Quando me for dado conhecer-me

saber tudo de mim

saber quem verdadeiramente sou

por detrás de um registo civil

perdido entre tantos mil…

 

Saber o que faço aqui

e para onde vou

então sim tudo saberei

todos os mistérios se revelarão

e todas as dúvidas cessarão

 

Saberei se o Além existe

se é finito ou infinito o Universo

e qual é o seu reverso

que coisas são o Espaço e Tempo

o Amor e a Verdade

a Santíssima Trindade

 

É a mim que eu procuro conhecer

a chave de tudo está em mim

 

…Sou eu!

 

Vale de Salgueiro, Quinta-feira, 5 de Junho de 2008

Henrique António Pedro



domingo, 6 de março de 2022

Despaixão


Despaixão

 

Já não és mais a flor amorosa

viçosa

perfumada

 

A rosa inflamada pelo desejo despótico

que germinava no húmus erótico

dos nossos corpos juvenis

 

Já nem tu mesma sorris

só de te lembrares

 

És agora uma rosa estiolada

que seguro pelo pé

já sem fé

com cuidado

contudo

 

Não com medo de ser picado

mas porque sei que o mais delicado movimento

o mais suave sopro de vento

te fará despetalar

 

Foi o sopro

o cicio do tempo

perdido o cio

que colocou no vazio do meu coração

as pétalas da despaixão

 

Inexoravelmente

 

Já as pétalas te caem aos pés

 

Já nem eu sou

o que fui

 

É cruel

mas é

 

Até sempre

 

Vale de Salgueiro, sábado, 19 de Junho de 2010

Henrique António Pedro

 


 

sexta-feira, 4 de março de 2022

É longe demais o Além


O soldadinho chora


Chora lágrimas

suor

sangue

e saudade

capazes de o matar

embora

de nada lhe sirva chorar

 

Ainda assim o soldadinho

chora baixinho

calado

teme morrer

sem voltar

 

É longe demais o Além

para lá ir

e voltar

 

E sua mãe

em permanente oração

não pára de o chamar

para mais perto

do lar

 

Oh que apertado aperto de coração!

 

É longe demais o além

para lá ir

e voltar

Henrique António Pedro


terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Nada, ninguém e mais alguém


Poderá ser só oxigénio e vapor de água

pairando etéreos sobre as colinas

arroteadas

em que medram videiras

rejuvenescidas

oliveiras prateadas

amendoeiras floridas no alvor da Primavera

 

Poderá ser só o suor

que o corpo transpira

e se evapora em diáfana nebulosidade

que reflecte e refracta com verdade

o vapor de amor

que do espírito se evola

e se transmuta em telúrica alegra

 

Poderá ser só o ar
que espírito respira

e pelos pulmões expele

condensado em bafo de poesia

 

Poderá ser só tudo isso

tudo que o poeta só

almeja

 

Vapor de amor e de água

também

nada que se veja

 

Mágoa de alguma alma enamorada

submersa na poética neblina

aspergida por aí

e por além

 

Poderá ser só nada

ninguém

e mais alguém

 

 Henrique Antóio Pedro

in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)


quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Escreverei poesia até à hora da minha morte



É minha sina

é minha sorte

escrever poesia até à hora da minha morte.

 

Na hora de morrer

ouvir-se-ão os sinos da minha aldeia

tanger

poesia

e as aves e as flores

cantar-me-ao ao ouvido suas dores

para me consolar

 

E uma maior alegria

exultará a minha vida

no meu coração

na hora da despedida

 

E a odisseia de viver

dará lugar

à epopeia de renascer

acórdão de redenção

 

Não deixarei de escrever poesia

e de  amar

mesmo depois de morrer

 

Vale de Salgueiro, sábado, 27 de Agosto de 2011

Henrique António Pedro