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sexta-feira, 1 de novembro de 2024

O maior do mundo


Não sou eu o maior do mundo

tão pouco o desejo

ou o quero ser

mas…

 

Olho-me ao espelho

e embora me não veja

porque sou muito mais que imagem

gosto do que vejo

 

Gosto

porque vejo o brilho da poesia

no meu olhar

e nos meus poemas projecto

a minha infinita capacidade de amar

a irrecusável predisposição

do meu coração

para se dar

de verdade

 

Gosto do que vejo

porque amo o Céu

a Terra

o Mar

a vida

a Humanidade

 

Gosto

porque amo de mil formas

imensa gente

embora assim de repente

apenas me lembre

daqueles a quem amo mais

 

Olho-me ao espelho

e embora me não veja

porque sou muito mais que imagem

gosto do vejo

 

Embora lá no fundo

não me pareça

que eu seja

o maior do mundo

 

 Vale de Salgueiro, sexta-feira, 19 de Novembro de 2010

 Henrique António Pedro

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Aqui tão perto de nós o além



Lá longe

calados

os soldados não choravam


Não porque não tivessem lágrimas

mas porque de nada lhe valia chorar

 

Depois havia sangue

suor

e saudade

bastantes para os calar

 

Ainda assim

o menino soldado

chorava baixinho

angustiado

por ter medo de morrer

e não poder voltar

 

Aqui tão perto de nós o além

só dá para lá ir

e não voltar

 

Por isso a mãe do soldadinho

que chorava baixinho

em permanente oração

não parava de o chamar

para mais perto

do lar

 

Aqui tão perto de nós o além

já ali ao voltar da esquina

à distância pequenina

de um apertado aperto de coração

 

Aqui tão perto de nós o além

dava para lá ir

mas não dava para voltar

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 16 de Junho de 2011

Henrique António Pedro

 

 

 

 

 

 

domingo, 27 de outubro de 2024

Povoando ermos abandonados


Almas há em que nunca floriu uma flor

um sorriso se abriu sequer

 

Desertos despidos de vida e de amor

onde nunca ninguém nasceu

e tão pouco morreu

 

Espaços gelados mergulhados no silêncio do nada

que apenas os poetas pressentem e entendem

 

Locais onde não há paz nem guerra

onde a própria Terra jaz

a tremer de medo de ser perpassada

por uma nova autoestrada

 

Sítios em que a Natureza se faz ouvir com aspereza

desumanizada

onde os poetas soltam ventos

poemas

afectos

saudades

angústias

dilemas

e dores

e fazem sentir suas tempestades interiores

 

É nesses plainos ermados

desarmados

que eu abro caminho

a pé

a passo de criança

à procura de planos interiores

em que haja sinais de fé e de esperança

 

Hiperespaços de poesia e nostalgia

em que a soledade e a solidão

são sinais visíveis de humanização

 

Ermos abandonados que povoo

com os poemas da minha condição

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 13 de Novembro de 2009

Henrique António Pedro

 

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Uma certa Maria


É uma certa Maria

não é uma Maria qualquer

haja embora quem sorria

de inveja

e de desdém

pois que seja

muitos mais lhe querem bem

 

Nada nela é fantasia

tudo de bom ela tem

mas não é dela

Maria

tudo o que dela se quer

antes de tudo Maria

é sim

e só

mulher simples

e mãe

 

Dela é só a simpatia

e a alegria

de fazer bem

tanto que mesmo de olhos fechados

a todos deixa enamorados

 

Para mim

dessa Maria

apenas quero a poesia

e que se saiba

que lhe quero muito bem

 

Vale de Salgueiro, domingo, 5 de Setembro de 2010

Henrique António Pedro

 

 

terça-feira, 22 de outubro de 2024

À janela, a ver chover


Postado à janela

cismado

a ver chover

sem ter que fazer

nem para onde ir

entristeço

 

Nos campos sente-se a erva medrar

com tanto calor

e humidade

 

Os cães pararam de latir

os pássaros deixaram de voar

esmoreço

desolado

a ver

chover

no molhado

 

Há dias assim

sem alegria

nem beleza

dias em que a própria poesia

induz tristeza

nostalgia

 

Amiúde deito a cabeça de fora

para espreitar o céu

com desejo de partir

 

E assim me vou embora

sem sair

deixando-me ficar onde estou

até mais ver

 

Sem ter para onde ir

sem nada ter que fazer

fico à janela

cismado

a ver chover

 

 

Vale de Salgueiro, domingo, 29 de Maio de 2011

Henrique António Pedro

 

sábado, 19 de outubro de 2024

A vida só tem sentido se poesia tem



Valeu a pena ter lutado

se o combate se perdeu?

 

Ter jogado

se o jogo se não ganhou?

 

Ter acreditado

se tudo se frustrou?

 

Ter amado

se amado se não foi?

 

Vale a pena viver se acabamos por morrer?

 

Tudo vale a pena e tem sentido se com amor se viver

 

A poesia só vale a pena e tem sentido

se o poeta ousar viver

e procurar a razão de ser e de sofrer

a melhor forma de mais amar

e de bem-fazer

 

A poesia só vale a pena e tem sentido

se o poeta se não dá por vencido

e com seus versos a si se liberta

e a mais alguém

dá liberdade

também

 

A vida não perde sentido na morte

nem na má sorte

e a poesia só perde a razão de ser

se o poeta ousar esquecer o coração

 

A vida só tem sentido se poesia tem

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 08 de Maio de 2014

Henrique António Pedro