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segunda-feira, 1 de março de 2021

Esquerda, direita, um, dois…



Esquerda, direita, um, dois…

 “boys”, “bois” e que tais

o mais que se verá

e o que já se viu

puta que os pariu

 

Não sou de esquerda nem de direita

nem do centro

sou do alto

transparente

independente

sou vertical

mais do bem que do mal

  

Tenho braço esquerdo e braço direito

mão esquerda e mão direita

não sou dextro

não sou esquerdino

sou destro desde menino!

 

Tenho perna direita e perna esquerda

pé direito  e pé esquerdo

só com ambos sei caminhar

e  muito melhor bailar

 

Olho esquerdo e olho direito

ouvido esquerdo  e ouvido direito

para melhor ver e melhor ouvir

uma só boca para bem falar

 

Dois hemisférios tem o meu cérebro

não sou lerdo

só com os dois sei reflectir

a Razão formatar

 

Não tenho partido

nem ando perdido

não rastejo, caminho de pé

verdade, liberdade e poesia

são a minha ideologia

tenho a minha própria Fé

o bem estar a todos desejo

 

Sou um só Ser

um coração a pulsar

um todo a viver

a gozar

a sentir

a sofrer

e a

amar

 

Vale de Salgueiro, 1 de Março de 2021

Henrique António Pedro



terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Descolonização

 


O sangue da criminosa

insidiosa

descolonização

ensopou o chão

e maculou a História gloriosa

 

E o verde-esmeralda do mar interior

mar mediterrânico de amor

debruado de lampejos doirados

pintalgou-se de botões de rosa pálidos

tantas foram as desilusões

e os enganos

 

De pronto, porém, um arco-íris de paixão

qual grinalda florida

armou ponte sobre os oceanos

 e à paz deu guarida

no mais nobre coração

 

Já a larva voraz da saudade

se transmuta em borboleta colorida

em versos de rima redimida

estrelas e cometas a alumiar 

poetas poemas a declamar

almas a bater palmas

 

A História não é a má memória

e só o  amor com seu querer

pode bem descolonizar

 

A mim ninguém me vai ver a acenar

a dizer adeus

 

Sempre nos poderemos voltar a abraçar

nem que seja no meio do mar

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 4 de Março de 2010

Henrique António Pedro

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

O amor não tem asas mas voa

 


Um par de pombas enamoradas

pôs-se a dançar danças de amor

despudoradas

de fronte da minha janela

por certo para me provocar

 

Fascinado

deixei-me ficar com cautela

qual aprendiz enlevado

calado

a vê-las dançar

entrelaçadas

em feliz liberdade

 

A pousar e a levantar

a voar

adejando com graciosidade

a vencer a gravidade

 

De pronto me imaginei a dançar com elas

e me pus a pensar:

Porque não nos deu asas

o Criador?

 

E fez também do homem um ser voador

para assim poder melhor amar a mulher amada

também ela alada

e ambos a voar se poderem amar?

 

Porque não são precisas asas

para amar

assim à toa

 

Porque o amor não tem asas

mas voa

 

Vale de Salgueiro, sexta-feira, 1 de Maio de 2009

Henrique António Pedro


 

sábado, 6 de fevereiro de 2021

Não vá o poeta além do poema

 


Diverte-se a escrever poesia com o olhar

para eu ler na minha imaginação

 

A soprar palavras e perfumes

que sabe ateiam lumes no meu coração

 

Eu fico aflito por não saber se é lícito

o terno erotismo que leio

nem donde veio

aquele seu interesse por mim

 

Peço-lhe que seja mais explícita

ainda assim

que se deixe de cinismo

 

Que me mostre que não sofro de daltonismo

que me belisque

que pouse a sua a mão no meu coração

 

Responde-me com crueldade

fazendo valer a sua falsa verdade

dizendo-me que é apenas poesia

uma sua e minha divertida fantasia

o que de facto condiz

 

E ainda mais circunspeta me diz

que não vá o poeta além do poema

 

De pronto

sem condição

como que por magia

este tonto dilema

vira pura contemplação

 

Vale de Salgueiro, domingo, 13 de Março de 2011

Henrique António Pedro

 


sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Aos derradeiros guerreiros do Império

 


O  Império derradeiro da História

Que agora se esvai na memória

Os imolou

Sem lamento

 

E com eles se sepultou

No ataúde comum

Do esquecimento

 

Em lugar nenhum

 

Negros, brancos, amarelos

Sacrificados agnelos

Morreram de pé

Nas matas de Moçambique e de Angola

Nas olas da Guiné

Trespassados de balas

 

E por lá ficaram defuntos

Abandonados

Esquecidos

Insepultos

 

Que evangelho ou sortilégio

Que adulterada verdade

Que insana vontade

Que espúrio desígnio

Que místico saltério

Lhes traçou o destino

E os abandonou assim?

 

Sem choros

Ilusões

Raivas

Risos

Ou ranger de dentes

 

Apenas os corações penitentes

Distantes

De quem os amava

Pais, irmãos, amigos, amantes

A bater frementes

 

Ceifados na flor da idade

Viveram com frenesim

A sua trágica mocidade

Os derradeiros guerreiros

Do Ultimo Império da História

 

A pátria eterna os engrandece

E sente

A nação presente os desmerece

E esquece

 

A sua vida é uma vitória!

 Inglória!

Ainda assim


 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 26 de Março de 2009

Henrique António 


 

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

O último grito de Cristo na Cruz

 


O Seu último grito

Divino lamento

Não o soltou Cristo

Crucificado

No Calvário

Na Jerusalém daquele tempo

 

Ainda há pouco eu o ouvi

Muito bem

Em frenesi

Quando angustiado com o sofrimento

Que assola o mundo inteiro

Subia solitário a íngreme ladeira

Do Senhor dos Aflitos de Vale de Salgueiro

 

E desalentado com tanta canseira

Lhe perguntei:

- «Será preciso, Senhor que sofras Tu e nós muito mais?!

   Que soframos nós e Vós ainda mais?!»

 

De pronto o Crucificado me respondeu

Tão angustiado como eu:

- «Não, não! Eu sofro por vós

  Vós só precisais de amar mais

   e mais

   e mais!»

 

Vale de Salgueiro, 7 de Novembro de 2008 

in Angústia, Razão e Nada (Editora Temas Originais-2009)