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segunda-feira, 15 de maio de 2023

Clepsidra

 




Clepsidra

 

A clepsidra

que marca o meu dia-a-dia

é a poesia

 

Pinga

pinga

vai pingando

pingos de amor e desamor

de alegria e de dor

de pura amargura

e nostalgia

 

 

É vento da vida a soprar

toque de realejo a tocar

vontade-desejo de amar

 

Fluem afectos

ideias

grãos de areias

sonhos despertos

pedaços do Universo formatados em verso

à medida que a vida se esvai

 

Pingo a pingo

um oceano sem fundura

de verdade e fantasia

se vai formando a cada momento

 

Esta clepsidra

que marca o meu dia-a-dia

é a medida do meu tempo

 

Vale de Salgueiro, quarta-feira, 18 de Agosto de 2010

Henrique António Pedro

sexta-feira, 12 de maio de 2023

O Portal da Felicidade


 

O  Portal da Felicidade

 

Montei tenda num descampado

ermo

isolado

e sempre ia perguntando

a quem por lá passava

se era ali que a felicidade morava

 

Nada

nem ninguém

na verdade

me garantia que era ali que ela vivia

embora por todos e toda a parte

fosse procurada

 

Mas um jovem que de tão apressado me pareceu feliz

e bem informado

sôfrego

sorriu

e sem se deter

acabou por me dizer

apontando em direcção incerta:

«É só entrar. Nem precisa de bater!»

 

Olhei à roda

vi uma porta entreaberta

de que me não dera conta

que irradiava uma luz rara

em direção a mim

que de pronto me seduz

 

Bati

com a timidez de um aprendiz

ainda assim

na esperança tonta

de que naquele descampado

ermo

silencioso

isolado

talvez eu fosse um predestinado

 

Porém

alguém de dentro e de pronto apagou a luz

me bateu a porta na cara

e diz gritando:

«Vai procurar a felicidade noutro lado, malandro»

«Não aqui!»

 

Ainda assim não desisti!

 

Foi então  que um trôpego ancião

que caminhava devagar

porque trazia às costas a vida moribunda

depois de se sentar no chão

indiferente à barafunda

acabou por me dizer que se eu queria saber

onde a felicidade habitava

teria que primeiro bater

a todas as portas do mundo

 

E acrescentou

certeiro

esta sentença profunda

fixando os olhos em mim:

 

«Se de dentro responderem que sim

mais certo será

lá morar apenas a ilusão

mas se ninguém responder

então

de certeza que também aí não é

de verdade»

 

Ainda assim

não desisti!

 

Porque aprendi agora

que a porta da felicidade

abre directamente

para Eternidade

 

É lá que ela mora

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 14 de Setembro de 2010

Henrique António Pedro

sábado, 6 de maio de 2023

De como e quando aprendi a amar e que coisa é o amor

 



De como e quando aprendi a amar e que coisa é o amor

 

Quando abri os olhos pela primeira vez

e percebi que outros me fitavam e sorriam

enquanto sentia que uns braços me estreitavam

de uma forma que só poderia ser a de uma mãe

 

Logo ali pressenti o que era o amor

e o que amar seria

embora sem então saber que aquela mulher era minha mãe

e que o sendo não era uma mulher qualquer

 

Apenas quando aprendemos como uma mãe ama o seu filho

somos capazes de bem entender o que o amor é

e que coisa amar será

 

Vale de Salgueiro, segunda-feira, 8 de Março de 2010

Henrique António Pedro

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Na Praça Martim Moniz

 



Na Praça Martim Moniz

(Do meu baú de recordações)

 

Só me não me perdi

por um triz

 

Amei-a eternamente

Mal a vi

Nos breves instantes

Em que como ela

Esperava o eléctrico

Na Praça Martim Moniz

 

Os seus olhos negros

Tolheram-me por completo a visão

E porque eram negros e brilhantes

Não me deixaram ver nada mais

 

Foi maquinalmente que para ela dirigi meus passos

E percebi que também ela aguardou

Que eu lhe dirigisse a palavra

 

Passavam inúmeros eléctricos

Que nos levavam aos sítios para onde íamos

 

Mas nenhum de nós se importou

Nem sentiu pressa em partir

 

Tolhido eu pela luz negra

Dos seus olhos negros

E pela desenvoltura da sua trança

Presa, ela, à minha expectativa

Em que residia a sua esperança

 

Amámo-nos eternamente

Naqueles breves instantes

Até que por fim

Ela decidiu partir

 

Venci-me

Não a segui

Ainda assim

 

O eléctrico que tomou

Deixava-me a mim

A meio do caminho

 

Lisboa (Martim Moniz), Outubro de 1970

Henrique António Pedro


 

sábado, 29 de abril de 2023

Na ilha da Utopia

 


Na ilha da Utopia

Encontrámo-nos por acaso
sem eu saber o que fazia
se seria ela feia ou bela
real ou fantasia
porque nem eu a via
nem ela a mim me via

Ainda assim melhor a sentia na ilha da Utopia
lugar de nenhum lugar aonde eu ia
para me encontrar com ela

Para trocarmos ideias
palavras doces
rebuçados de paixão
que só não se consumou
por não nos termos ali um ao outro
ao alcance da mão

Apesar de tão próximos
mas tão distantes
que não nos víamos
nem nos ouvíamos directamente
apenas na  ilusão

A mente e o coração batiam em sintonia
com os teclados e os e-mails trocados
prodígios da tecnologia
que cria a fantasia

Até que um dia se interrompeu a ligação
aconteceu o desencontro do encontro
de quem nunca se encontrou

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 11 de Dezembro de 2008

Henrique António Pedro

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Viajando para lá de tudo e do mais

 


Viajando para lá de tudo e do mais

 

Viajo para fora da Terra

para lá do Sistema Solar

fujo do Sol, da tragédia e da guerra

 

Perco-me sem premeditação no espaço interestelar

qual astro errante

vogando na infinita imensidão da minha alma

propulsado pelo pulsar do meu coração

 

Há espaço bastante entre as estrelas para eu me perder

sem me deixar prender

por nenhuma delas

 

Vagueio sem rumo certo para um mundo distante

para mais perto de mim

na vastidão daquilo que sou

sem deixar rastro

nem fumo

a título póstumo

 

Vou mais além pelas veredas da Fé e do Amor

abandono o Universo

libertar-me do espaço-tempo

do verbo e do verso

dos vícios da mente

da ilusão e da dor

 

Embora presente estou ausente

 

Vale de Salgueiro, terça-feira, 28 de Outubro de 2008

Henrique António Pedro