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terça-feira, 20 de agosto de 2019

E a si, que lhe diz este poema?




Escrevo este poema deliberadamente
sem nada ter em mente
sem ter nada que dizer
e sem querer dizer nada

Eu não quero dizer mesmo nada
tão pouco nada desdizer

Escrevo-o por escrever
não por inspiração ou frustração

Escrevo este poema só para dar o prazer
de ler o que lhe apetecer
a quem o quiser ler

Só para lhe dizer o quanto podemos dizer
sem dizer nada
ou nada dizer

Este o dilema!

Este poema a mim não me diz nada
mesmo nada
nada me diz
diz-me nada

Mas será que se este poema a mim nada me diz
já me estou a desdizer?

Que lhe diz, a si, este poema
ainda assim?

Muito
pouco
tudo
ou nada?

Se a si muito lhe disser
mais a mim me há-de dizer

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 3 de Junho de 2010
Henrique A. Pedro

quarta-feira, 24 de julho de 2019

WC



Muitas ideias deslavadas

surgem-me na casa de banho

no vulgo wc

enquanto me lavo, afeito, barbeio e amanho

ou faço coisas menos perfumadas

já se vê

 

Quando me vejo ao espelho

e reparo que um certo “eu” me olha olhos nos olhos

poético

patético

calado

ensaboado

ou quando me dou conta que mais um cabelo caiu

ou que uma nova flor de ruga floriu

 

Há pensamentos que batem no vidro

e se reflectem em retorno

como se de meras imagens se tratasse

e vêm refractar-se em mil cambiantes de angústia

no espelho embaciado da minha alma

 

Mas quando alguma ideia mais angustiada

cheira mal que tresanda

ou me causa dor

lanço mão do vaporizador

e purifico o espírito e o ar

com borrifos de lavanda

 

Como se vê

até no wc há lugar para a fantasia

quando se tem a alma inundada de poesia

 

Vale de Salgueiro, quinta-feira, 13 de Novembro de 2008

Henrique António Pedro

 

sábado, 20 de julho de 2019

Ora abóboras…




Este poema sensaborão

é a primeira abóbora que despontou na minha horta

neste Verão

 

Que eu ofereço com alegria aos deuses da poesia

para que jamais me falte a inspiração

para cozinhar

saborosas sopas de versos

 

É uma abóbora amarelada

rechonchuda

com um pequeno pedúnculo que o ligou à erva mãe

para se alimentar

e que agora apenas serve para se lhe pegar

 

Assim sendo nem os mais perversos se atreverão a dizer

que este poema

não tem ponta por onde se lhe pegue

 

Até porque também tem o coração repleto de sementes

as pevides

que depois de secas e de novo lançadas à Terra

irão reproduzir novos poemas

com que se poderão cozinhar

novas saborosas sopas de poesia

 

A primeira abóbora que despontou na minha horta

neste Verão

é este poema sensaborão que só não aplaudirá

quem não gostar de sopa de abóbora

ou não perceber pevide

de poesia

 

Ora…

abóboras

  

Vale de Salgueiro, terça-feira, 16 de Junho de 2009

Henrique António Pedro

 

sábado, 29 de junho de 2019

Cantar de encantar a pedra



Não me consta que houvesse
mestre maçom
por mais iluminado
que de porpianho mais soubesse
que o pedreiro Justiniano
embora ele não fosse
nem crente nem ateu

Encantado ficava eu
ouvindo o mestre canteiro
cantar à cantaria
que ele próprio esquadrou
nas fragas do inóspito 
e sombrio quadraçal

Ei pedrinha ou…
ei pedrinha ou…

E o tosco bloco de granito
mais pesado que a cruz de Cristo
deslizava enlevado
por via da magia
do laico cantochão

Leve como a água de poesia
que então se vertia
na cabeça do neófito
na pia baptismal
em busca da salvação

Ei pedrinha ou…
ei pedrinha ou…

in Anamnesis (1.ª Edição: Janeiro de 2016)

A mulher é mais mulher…



Poderá a mulher que me encanta
ser santa
cientista
poeta
analfabeta
actriz
feliz
infeliz
artista
heroína
grande ou pequenina
governante
amante
capitalista
proletária
revolucionária
ou o que calha

Poderá a mulher que me atrai 
ser um amor
seja ela qual for
e amar alguém
rir ou chorar
ou mesmo nem a ninguém amar

A mulher é mais mulher
porém
quando ama o homem
e é mãe

E o homem é mais homem também
quando ama a mulher
e é pai


Vale de Salgueiro, quarta-feira, 12 de Agosto de 2009
Henrique Pedro

quarta-feira, 26 de junho de 2019

AQUI…







Aqui, cume do monte dominante
De um reticulado curvilíneo
De colinas moldadas no fascínio
Da alma do poeta diletante

Aqui, nasceu, em mim, a poesia
Pela magia do amanhecer
Com reflexos de fé e bonomia
Que também brilham ao entardecer

Aqui, sempre me quedo, radiante
À hora que o Sol se põe, sanguíneo
Por detrás do horizonte distante

Aqui, face ao Mundo a sofrer
Ao Senhor dos Aflitos eu pedia
Não deixasse, Ele, de lhe valer…

Vale de Salgueiro, domingo, 10 de Agosto de 2008
Capelinha do Senhor dos Aflitos (Alto da Serrinha)
Henrique António Pedro